domingo, novembro 29, 2009

Somos todos "meninos do MEP"


Na sexta-feira passada, dia 27/11, a Folha de S. Paulo publicou um artigo que deveria ser lido e refletido por todos. Principalmente pelos que irão se emocionar nos cinemas diante da hagiografia lacrimosa do Apedeuta dirigida por Fábio Barreto.

Intitulado "Os Filhos do Brasil", o texto de César Queiroz Benjamin, um esquerdista histórico (foi um dos fundadores do PT), é um dos golpes mais duros já assestados no culto à personalidade lulista. A ser verdade o que está lá escrito, trata-se de uma das revelações mais escabrosas sobre um dos mais escabrosos fenômenos de marketing da História brasileira.

No texto, César, conhecido como "Cesinha", relata sua experiência como preso político da ditadura militar, com a idade de apenas 17 anos. Ele recorda a dureza da vida na prisão, e como os carcereiros o atiraram para ser "usado" pelos presos comuns. Ele se emociona ao dizer que, embora sozinho e indefeso, os demais detentos - assaltantes, homicidas e demais delinqüentes - não lhe tocaram num fio de cabelo; pelo contrário: foram até solidários com ele, mostrando nobreza quando deles se esperava nada mais do que um comportamento bestial.

Salto no tempo. Estamos em 1994, na segunda campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. César Queiroz Benjamin é então um dos coordenadores da campanha do candidato petista. Em um almoço em São Paulo, estão ele, Lula, um marqueteiro norte-americano e outras pessoas. Ocorre então o seguinte diálogo:

Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso na frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: "Você esteve preso, não é Cesinha?" "Estive." "Quanto tempo?" "Alguns anos...", desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta".

Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos.

Foi um dos momentos mais kafkianos que já vivi. Enquanto ouvia a narrativa de nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.

César Queiroz Benjamin prossegue em suas lembranças, prestando uma homenagem aos autênticos filhos do Brasil, como aqueles que estiveram presos com ele e que se portaram com a maior dignidade ou, pelo menos, com humanidade e decência. Diz não saber quem seria o tal "menino do MEP" (sigla de "Movimento de Emancipação do Proletariado"), lembrando apenas que o homem que diz que o atacou é hoje presidente da República, é conciliador e, dizem, faz um bom governo, tendo alcançado projeção internacional. Deseja-lhe boa sorte, para o bem do Brasil, e espera que ele tenha melhorado com o tempo.

No final, César diz que não pretende assistir a "Lula, o filho do Brasil", que, como ele diz, "exala o mau cheiro das mistificações". "Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder."

Alguém poderia supor que relutei antes de escrever esse texto. Que o que está transcrito aí em cima é uma baixaria e um assunto puramente privado. Nada disso. Não hesitei um só momento em comentar o assunto aqui. Baixaria, é claro que é. Mas não é, de modo algum, uma questão privada. Dificilmente se poderia imaginar metáfora melhor para descrever quem é Lula e o lulismo, e sua relação com os brasileiros, do que o "menino do MEP". Questão privada, uma ova!

A reação do governo às revelações de César Queiroz Benjamin foi mais do que previsível. "Psicopata", foi a palavra usada pelo Planalto para descrevê-lo. "Triste e abatido", foi como o secretário de Lula, Gilberto Carvalho, descreveu seu chefe após este ter sabido do artigo no jornal em que é acusado de tentar molestar um colega de prisão. Estranhamente, porém, Lula disse que não vai processar César Queiroz Benjamin por esse ataque à sua honra.

Previsíveis também foram as palavras dos adeptos do lulo-petismo para proteger seu ídolo. O cineasta Silvio Tendler, um dos personagens não-identificados que presenciaram a conversa sobre o "menino do MEP", tentou pôr panos quentes, afirmando que tudo não passou de uma piada, da qual todos riram muito. É, pode ter sido mesmo... O senso de humor do Apedeuta, como sabemos, não costuma ser muito sutil, e suas tiradas, para citar apenas uma das mais recentes, incluem comparar o espancamento e assassinato de manifestantes iranianos a uma questão de vascaínos contra flamenguistas. Mas isso não diminui nem um pouco a gravidade da revelação. Muito pelo contrário.
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Fazer piada, se é que foi apenas piada, com o molestamento de um prisioneiro na cadeia é uma coisa assim que, como direi?, deveria provocar não gargalhadas, mas engulhos e ânsia de vômito. Quando ex-presos políticos dizem que sofreram abusos sexuais nas mãos de torturadores quando estavam na cadeia, deve-se encarar isso também como piada? O que diriam os defensores dos direitos humanos se alguém dissesse que os relatos de prisioneiros sendo violentados e estuprados nas prisões do DOI-CODI não passaram de blague?

Os devotos do lulismo gostam de mostrar a prisão de Lula em 1980 como uma passagem especialmente heróica de sua biografia, ou, mais exatamente, como uma via-crúcis, o Martírio do Messias antes da Ascensão ao Céu. Agora se sabe, pela pena de um esquerdista de grosso calibre, que o comportamento de Lula na prisão não se distinguiu da do mais vulgar e reles bandido. Ou melhor, distinguiu-se, sim: César Benjamin afirma que, quando esteve preso, os bandidos comuns o respeitaram. Bem diferente de Lula com o "menino do MEP".

O artigo de César Queiroz Benjamin veio em boa hora. Quando um filme que endeusa a personalidade de Lula está prestes a estrear nos cinemas, mostrando uma versão edulcorada de sua biografia, talvez seja útil lembrar do "menino do MEP". Aí, quem sabe, aqueles que assistirão ao filme se darão conta de que o "menino do MEP" são todos eles. Pior: o "menino do MEP" somos todos nós, presos com Lula em uma cela do DOPS.

sexta-feira, novembro 27, 2009

DE VEXAME EM VEXAME


Olha, pode parecer que não, mas a verdade é que não torço contra a diplomacia brasileira. Nem mesmo contra a diplomacia do governo Lula, dos chanceleres Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia. Muito pelo contrário. Apesar de o nome deste blog poder sugerir o contrário, não sou da turma do quanto pior, melhor. Adoraria ver o Brasil ocupando o espaço que merece no concerto das nações, sendo respeitado e admirado pelo resto do mundo, ao menos pela parte do mundo que presta, o mundo civilizado. Torço mesmo para que tudo aquilo que a propaganda lulista pinta sobre o aumento da influência internacional do Brasil deixe de ser o que é, apenas marketing e confete, e se torne, um dia, realidade.

É exatamente por isso - porque, acreditem ou não, sou um patriota e quero ver o nome do Brasil elevado lá fora - que eu só posso me encher de vergonha diante da sucessão interminável de vexames que vêm sendo colecionados pelo Itamaraty nos últimos anos. Se depender dos que mandam atualmente em Brasília, a política externa brasileira será lembrada, durante anos, como motivo não de orgulho, mas de chacota.

Praticamente não passa uma semana sem que o Brasil não dê apoio a um ditador, ou procure justificar sua opção pelo lado mal da humanidade, apelando para um antiamericanismo primitivo e para um terceiro-mundismo da época da brilhantina. É constrangedor.

Seria extenuante e extremamente tedioso elencar todos os fracassos da política externa lulista neste espaço. Vou apenas citar dois fiascos monumentais que ocorreram na semana que passou.

O primeiro vexame aconteceu na segunda-feira, com a visita completamente desnecessária e indesejável, sob qualquer ponto de vista, do genocida e patrocinador do terrorismo Mahmoud Ahmadinejad do Irã. Esta, além de não trazer nenhum benefício concreto ao Brasil - se é para aumentar o comércio bilateral, isso pode perfeitamente ser alcançado sem a vinda do negador do Holocausto -, serviu apenas para deixar claro que o governo Lula não dá a mínima para a democracia e os direitos humanos. Além disso, a visita expôs o megalonanismo da atual política exterior brasileira, particularmente embaraçoso diante das ofertas brasileiras de servir de "mediador" no conflito do Oriente Médio - o que, como se já não fosse absurdo o bastante pelo fato de o Irã se recusar sequer a reconhecer Israel (logo, se opõe a qualquer processo de paz na região), levou a uma das maiores saias-justas dos últimos tempos: durante a visita de Ahmadinejad, Lula, para agradar ao visitante, defendeu publicamente o programa nuclear iraniano "para fins pacíficos" - na sexta-feira, o governo brasileiro desmentiu a si próprio, abstendo-se de condenar a recusa do Irã em cooperar com a Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena (até a China e a Rússia votaram pela condenação ao regime de Teerã). Com isso, a diplomacia tupiniquim foi exposta ao ridículo - um vexame político e moral de proporções incomensuráveis.

O segundo vexame se arrasta há cinco meses, e irá atingir o ápice no próximo domingo, dia 29/11, em Honduras. O governo Lula, pela boca do chanceler oficial Celso Amorim, declarou que não vai reconhecer o resultado das eleições presidenciais marcadas para este fim-de-semana naquele pequenino país da América Central. Motivo: considera Manuel Zelaya, o presidente deposto em 28/06 por tentar violar uma cláusula pétrea da Constituição do país, e que se encontra "hospedado" na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, subitamente convertida em seu palanque e escritório político, o legítimo governante de Honduras, e insiste na tese de que ele foi derrubado por um "golpe de estado". Tese essa que, se conseguiu impor-se durante algum tempo após a deposição de Zelaya, por força única e simplesmente do espírito de rebanho e de um consenso forjado no seio da "comunidade internacional", só se sustenta pela ignorância mais completa sobre o que diz a Constituição hondurenha - passada a onda unanimista inicial, atiçada pela OEA do socialista José Miguel Insulza e pela ONU do sandinista Miguel D'Escoto, a razão e a simples leitura da Carta Magna hondurenha deixam claro que nada que se disse sobre Honduras é verdadeiro. Mesmo o governo Obama, que no começo engrossou o coro dos que condenaram o "golpe" e exigiram o "retorno imediato" do golpista Zelaya ao poder, percebeu que ele, Zelaya, é um encrenqueiro apoiado por Hugo Chávez e um fator de desestabilização, e que o melhor caminho para superar a crise em Honduras é garantir a realização das eleições presidenciais. Inclusive organizações importantes, como a Human Rights Foundation, reconheceram que o "golpe" que afastou Zelaya foi desfechado, na verdade, para garantir o cumprimento da Lei e preservar o estado de direito democrático. Mas o Brasil persiste no erro e, tal qual criança embirrada, encasquetou que, se Zelaya não retomar o trono, não haverá democracia. Zelaya, sim; eleições, não: esta é a fórmula da diplomacia lulo-petista para "normalizar" a situação no país.

Já escrevi bastante neste blog sobre a crise em Honduras. Provei - repito: provei - que a tese de que houve golpe em 28/06 contra Zelaya é uma fraude, uma mentira. Também provei - e desafio qualquer um a mostrar que estou errado - que o abrigo a Zelaya na embaixada brasileira contraria todas as normas e convenções internacionais, e que, ao fazê-lo, o governo Lula interveio na situação política de um país soberano, o que é uma violação da própria Constituição brasileira de 1988. Agora o governo Lula vem somar a tudo isso a infâmia, ao não aceitar a legitimidade de uma eleição democrática - cuja realização foi garantida pelo governo "golpista" que manteve o calendário eleitoral - porque quem tentou rasgar a lei maior do país não voltará ao poder. É algo de um ridículo atroz: entre a realização de eleições e a volta de um golpista à presidência, o Brasil prefere esta última. Desse modo, caminha juntamente com Zelaya para a irrelevância - exatamente o oposto do tão falado "protagonismo" brasileiro na questão hondurenha.

O mais risível nisso tudo é que a política do Itamaraty lulista para Honduras, assim como para o Irã, terá a partir de agora mais uma "justificativa", o antiamericanismo velho de guerra, tão manjado quanto idiota, uma vez que agora Obama está no lado oposto nessas duas questões. É que Obama, embora continue a ser o queridinho de Muamar Kadafi, pode até ser esquerdista, mas não é burro: ele já percebeu que apoiar Zelaya é o mesmo que dar apoio a Hugo Chávez e a suas pretensões megalomaníacas na região, além de respaldar um sujeito que diz ouvir vozes e ser vítima de raios emitidos por mercenários israelenses... Embora esquerdista e apaziguador como é, ele não quer jogar o prestígio de seu país na lama por tão pouco. Não é o caso do Brasil. Em Honduras, assim como na visita de Ahmadinejad, o governo Lula, por motivos ideológicos, psicológicos ou o que seja, não se acanha em jogar na lata de lixo a credibilidade de sua política externa. Honduras é o túmulo da diplomacia brasileira.

Como afirmei no início deste texto, não torço contra os objetivos proclamados pela política exterior de Lula e companhia, mesmo conhecendo seu caráter nitidamente ideológico. Lamento apenas que, com seus atuais protagonistas, ela traga tanta vergonha a quem ainda a tem.

O EXEMPLO DE "SUPERAÇÃO" DE LULA







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Um leitor, que se identifica como "muitopelocontrario" (eu, heim?), escreveu o seguinte comentário sobre meu texto "Machado, o anti-Lula", publicado aqui em 30 de setembro de 2008:
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"Machado encarna tudo aquilo que Lula não é, nunca foi e jamais será um dia - um exemplo de superação individual."
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Caro, a sua estupidez te cega. Se há algo em comum entre os dois é a superação individual.
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A frase entre aspas, quem ler o texto vai perceber, é uma citação de meu post. Nele aproveito a passagem dos 100 anos da morte de Machado de Assis, há um ano, para traçar um paralelo entre a vida do grande escritor e a de Luiz Inácio, o "filho do Brasil". O leitor não gostou. Deve ter achado que eu sou um "preconsseituôzu" por falar tão mal do Mestre Iluminado. Tudo porque, para ele, Lula é, assim como Machado, um exemplo de "superação individual" - como demonstra o filme do Barretão bancado com dinheiro de empresas com negócios no governo...

O que dizer? Creio que tudo que poderia ser dito sobre a falta de afinidade de Noço Guia com as letras já foi dito. Portanto, vou me limitar a reproduzir, aqui, o que está no post, que não sei se o caro leitor fã do Apedeuta leu até o final. Acho que foram os trechos seguintes que causaram a maior indignação ao leitor (coloco alguns em negrito para facilitar-lhe a compreensão do texto):

Tendo praticamente todas as circunstâncias conspirando contra si, desde a origem humilíssima até a cor da pele - num país em que, é bom lembrar, ainda reinava a mancha da escravidão, e que via na brancura da cútis um atestado de superioridade física e mental -, Machado jamais se conformou ao determinismo social de sua época e ao vitimismo fácil que sempre caracterizou certa visão esquerdista. Também, ao contrário do que muitos gostariam hoje, nunca sujeitou sua literatura a um papel racial demagógico - nunca foi, em suma, um "escritor negro". Foi um escritor, pura e simplesmente. O maior da literatura brasileira e um dos maiores da literatura universal, ao lado de Dante, Camões e Cervantes.

E Lula? Bom, acho que não vou precisar lembrar aqui sua origem social. Ela é conhecida de todos, que já ouviram e reouviram, ad nauseam, a história de sua vinda para São Paulo num caminhão pau-de-arara, sua infância pobre e sua mãe "que nasceu analfabeta". Ele, aliás, faz questão de dizer isso sempre que pode, em discursos geralmente recheados de sentimentalismo e erros de português, que não raro levam às lágrimas muitos intelectuais de esquerda. Luiz Inácio, o menino de Garanhuns, interior de Pernambuco, que veio para São Paulo fazer a vida, virou metalúrgico, perdeu um dedo, tornou-se líder sindical, entrou para a política e foi eleito e reeleito Presidente da República... Comovente, não?

Seria, certamente, se não fosse por um detalhe, que geralmente passa despercebido pela legião de admiradores de D. Lula, Primeiro e Único. Ao contrário do autor de Dom Casmurro e de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Lula não prosseguiu nos estudos, parando na 4a série primária. Para todos os efeitos, é um semi-letrado, um semi-analfabeto. E, igualmente ao contrário de Machado, ele não o fez não porque não tivesse condições financeiras de correr atrás do tempo perdido e superar essa deficiência, mas por um motivo muito mais simples e inconfessável: porque não quis. Pelo menos desde que largou o macacão de operário e entrou para a política, no final dos anos 70, ele teve tempo e oportunidades de sobra para cursar até uma faculdade, se quisesse. Em vez disso, preferiu a política. E virou presidente da República.

Tamanha é a hegemonia da cantilena politicamente correta nessa e em outras questões que mesmo alguns críticos de Lula e do PT hesitam em tocar nesse assunto, para não passarem por "elitistas" e "preconceituosos". Para eles, como para a maioria, Lula pode até ser um bandido e um enrolador, mas sua ignorância seria um pecado menor. Não vêem nada de mais em que as principais atividades intelectuais de Lula sejam os churrascos com os amigos ou os jogos do Corinthians. Ou que Machado apreciasse Beethoven, enquanto Lula gosta de Zezé Di Camargo e Luciano.

As diferenças não páram por aí. A negligência do atual mandatário brasileiro com a própria educação decorre de algo bem mais íntimo e pessoal do que qualquer condição social pregressa: Lula detesta ler. Sua aversão à leitura é notória. Para ele, como confessou certa vez em um evento - em que ironicamente tentava estimular as crianças ao hábito da... leitura! -, ler um livro é algo tão penoso quanto andar de esteira. Seria apenas mais uma curiosidade inofensiva, ou mais uma gafe, se não fosse outro detalhe: não somente ele foge dos livros como o diabo da cruz, como propagandeia e orgulha-se de sua própria ignorância. Na verdade, esta é uma arma que ele utiliza sempre que é conveniente, para rebater qualquer um que critique suas poucas luzes. Basta alguém lembrar esse detalhe que ele, ou algum de seus milhares de assessores gritará, indignado: "é preconsseitú!". Com Lula, a infância pobre e humilde tornou-se um álibi para a ignorância. Esta, por sua vez, foi elevada à condição de verdadeiro objeto de culto.
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De acordo com essa visão dos petistas, Machado de Assis, certamente, seria um preconceituoso. Pior: ele era parte da "elite branca" (mesmo não sendo da elite, nem branco) que torce o nariz para o presidente-operário por seus erros de português e sua origem nordestina. Sim, porque Machado, diferentemente de Lula, gostava de ler. Mais que isso: ao contrário de nosso presidente, ele procurou contornar as dificuldades da vida, tornando-se um autodidata. E isso sem cotas, nem nada do gênero. Enfim, ele tinha tudo para ser um ignorante, ou, se vivesse hoje, um petista. Mas não cedeu ao apedeutismo. Mesmo não sendo político - ou talvez por isso mesmo -, não sucumbiu à preguiça intelectual, nem jamais usou o argumento do preconceito da "Zelite" para justificar a própria ignorância. Ao contrário: dominando também o francês e o inglês, tornou-se um fino e sofisticado ourives da língua portuguesa. Se vivo fosse, Machado seria tachado pelos companheiros petistas como um esnobe e um traidor da causa "afro-descendente".


Poderiam argumentar que nenhuma comparação entre Machado e Lula se sustenta, pois afinal Machado era um gênio, talvez o maior que tivemos, enquanto Lula é um político. Eu digo que essa comparação apenas torna maior o fosso entre os dois personagens, sem dela retirar seu conteúdo pedagógico. Gênio ou não, Machado veio do nada, tendo nascido e se criado em condições - e numa epoca - muito mais difíceis do que as que Lula diz ter enfrentado. Sua trajetória de superação não é uma simples história do menino-pobre-que-venceu-na-vida-contra-tudo-e-contra-todos. É uma história de caráter. A de Lula, por sua vez, não pode ser resumida em simples gosto, ou falta de gosto, pelas letras. Não que, para ser presidente, seja preciso ser um gênio literário, ou um acadêmico. Mas o sujeito que chega ao cargo mais alto da nação gabando-se de nunca ter lido um livro na vida, num país de analfabetos, não revela apenas despreparo e preguiça intelectual, além de dar um mau exemplo, mas também, e sobretudo, falta de caráter. Apontar esse fato não é preconceito. É vergonha na cara.

Voltei
Realmente, duas histórias de superação individual, a de Lula e a de Machado... Lula saiu de Caetés pobre e ignorante. Hoje, não está mais pobre. Mas continua ignorante. E transformou isso numa vantagem política, arrancando aplausos da platéia ao dizer que não haveria aquecimento global, por exemplo, se a Terra fosse quadrada... Lula, se tivesse estudado, ou se se tivesse aprimorado intelectualmente como fez Machado de Assis, seria um exemplo de superação individual. Como não fez nada disso, é um exemplo sim, mas de esperteza e sem-vergonhice. Mas lembrar esse detalhe, claro, é estupidez e cegueira.
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Dito de outro modo: Machado de Assis saiu da pobreza e do obscurantismo para se tornar um dos mestres da literatura brasileira e universal. E Lula, que livro escreveu? Ou melhor: que livro ele leu em toda sua vida?

quinta-feira, novembro 26, 2009

TODO TOTALITÁRIO É UM CÃO


Na foto, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e o carniceiro de La Cabaña (Havana, 1960): atração dos intelectuais pelo mal é antiga
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No catálogo das frases mais infelizes já ditas na História, certamente uma que merece especial destaque saiu dos lábios do filósofo francês Jean-Paul Sartre, em um dia na década de 50 do século passado. Disse o pai do existencialismo: "Todo anticomunista é um cão".
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A frase ecoou para a posteridade, ferindo até hoje os ouvidos e a alma de quem pensa. Dita por quem a disse, em plena Rive Gauche parisiense, logo adquiriu o status de decreto pontifício, verdadeiro dogma do pensamento esquerdista mundial. Sartre, o sumo-sacerdote das letras engajadas na segunda metade do século XX, dirigia seu anátema desumanizador a outro escritor, o também francês e também Nobel de Literatura Albert Camus, que em livros como O Homem Revoltado teve a ousadia de se levantar contra o totalitarismo soviético. Em lugar de condenar este último, Sartre dizia coisas como a que segue, ao voltar de uma viagem a Moscou, em 1954:

A liberdade de crítica é total na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E o cidadão soviético melhora sem cessar sua condição no seio de uma sociedade em progressão contínua. Lá por volta de 1960, antes de 1965, se a França continuar estagnada, o nível médio de vida na URSS será de 30 a 40% superior ao nosso.

As palavras acima foram pronunciadas apenas um ano depois da morte de Stálin, e dois anos antes do famoso relatório em que Nikita Krushev rasgou pela primeira vez o véu do culto da personalidade do ditador morto e deu início à "desestalinização" - um primeiro passo rumo a uma tentativa de liberalizar o regime comunista, que na verdade nunca se realizou, e que, quando foi tentada, em meados dos anos 80, levou à sua implosão. Em plena época stalinista, portanto. É a prova de que Sartre era realmente um homem de visão: sem falar na censura e na repressão política, que ele solenemente ignorava, o nível de vida na URSS, bem como em todos os países do bloco comunista, jamais alcançou o dos países democráticos ocidentais como sua França natal. Dez anos depois da queda do muro de Berlim, a Rússia, antiga URSS, luta a duras penas para se livrar do legado comunista na economia, não tendo ainda, porém, conseguido se desvanecer totalmente de sua nefasta herança política, como mostram os desmandos do ex-agente da KGB Vladimir Putin e sua camarilha no poder.

O entusiasmo de Sartre pelo totalitarismo comunista realmente não tinha limites. Em 1960, ele esteve em Cuba, ainda não oficialmente um regime marxista-leninista (mas já em plena marcha para o comunismo), onde se encontrou, embevecido, com Fidel Castro e Che Guevara. Na ocasião, ele escreveu um livro - Furacão sobre Cuba - em que se derrama em elogios aos revolucionários barbudos e à sua "revolução romântica". Posteriormente, ele chegaria a declarar que Che Guevara era "o homem mais completo do século XX". Hoje, a revolução romântica dos barbudos cubanos é uma das tiranias mais longevas de todos os tempos, que mantém uma população inteira prisioneira na ilha caribenha, desprovida de liberdade e até de papel higiênico. Quanto a Che Guevara, ele não passa, hoje, de uma estampa de camiseta ou de personagem de filmes que, para manter viva a lenda, espertamente depuram sua biografia das centenas de fuzilamentos sumários que ele comandou na ilha-presídio, transformada em sinônimo de atraso e opressão.

Ao dizer que "todo anticomunista é um cão", Sartre estava falando não somente por ele, mas por toda uma época: o fascínio por uma ideologia que deixou um passivo de 100 milhões de mortos no século XX foi - e, desgraçadamente, continua a ser - uma característica comum a muitos intelectuais no Ocidente, que parecem nutrir uma verdadeira atração pelo mal e pelo suicídio. Mesmo com a revelação dos crimes stalinistas, a partir de 1956, e, mais recentemente, com o fim do "socialismo real" em 1991, a condenação total e sem ambigüidades do comunismo, seja como "idéia" ou como regime político, permanece um tabu para muita gente. A idéia subjacente é que todo anticomunista é um reacionário, um extremista de direita, um obscurantista, um fascista ou um nazista - enfim, um inimigo da humanidade. Nesse sentido, é permitido não ser comunista; pode-se ser "simpatizante" ou "companheiro de viagem", mas não - nunca, jamais - anticomunista. Antifascista, antinazista, sim; anticomunista, não - ser anticomunista é colocar-se contra as forças do progresso e da democracia, esta é a idéia por trás da frase de Sartre.

Tão entranhada está essa concepção na psique ocidental, e sobretudo latino-americana (e, sobretudo, brasileira), que serão necessárias décadas para que ela dê lugar à razão e à verdade. Por mais que se prove que a identificação do anticomunismo com o fascismo ou com o reacionarismo é uma farsa, fruto da ignorância ou da má-fé ideológica; por mais que se deixe claro que comunismo e nazismo têm mais em comum entre si do que com o liberalismo; por mais que se mostre, com fatos e argumentos irrefutáveis, que é o liberalismo, e não o marxismo-leninismo, o oposto do nazi-fascismo - nada disso parece suficiente para abalar a fé supersticiosa de muitos nas supostas virtudes redentoras e humanistas do comunismo, seja em sua versão soviética ou em reedições como a "revolução bolivariana" e o "socialismo do século XXI" chavistas. Isso porque, como demonstram as palavras de Sartre ao se referir à URSS e à Cuba, não se trata de algo racional.

Vendo em retrospecto, é fácil perguntar: o que levou um homem como Sartre, talvez o mais incensado intelectual dos últimos cem anos - quando veio ao Brasil, em 1960, a intelectualidade brasileira chegou a disputar a tapa o privilégio de servir-lhe de escarradeira, como escreveu Nelson Rodrigues -, que era mesmo tido como sinônimo de intelectual, a dizer tamanho disparate? A resposta, em parte, está na ignorância - à época, 1954, não se conheciam ainda as dimensões da tragédia stalinista -, mas somente em parte: ao contrário de Camus, Sartre não abandonou sua militância esquerdista, de fato ele radicalizou-a até morrer, cego e ideologicamente gagá, em 1980. Em todos esses anos, a noção de que "todo anticomunista é um cão" não deixou de estar presente em sua atuação política, que foi bastante intensa (ele saiu às ruas com os estudantes franceses em 68, fez rasgados elogios a Mao Tsé-tung e chegou a justificar abertamente o terrorismo anarquista do Grupo Baader-Meinhof na Alemanha, entre outras barbaridades). O que me permite deduzir que a crença no comunismo, ou, no caso de Sartre, a condenação absurda do anticomunismo, só pode decorrer de uma aflição do espírito, de uma visão realmente míope da realidade. Algo que não se cura com fatos e lógica. Algo que, melhor dizendo, talvez nem tenha cura.

Esse mal que aflige muitos intelectuais foi perfeitamente diagnosticado por pensadores conservadores, como os franceses Raymond Aron (O Ópio dos Intelectuais, publicado em 1955) e Jean-François Revel (A Grande Parada). Trata-se de uma doença, eu diria mesmo mental, que Mario Vargas Llosa, analisando o caso de amor que outro escritor influente, o colombiano Gabriel García Márquez, tem até hoje pela ditadura castrista de Cuba, classificou acertadamente como "delirium totalitarium". García Márquez, aliás, é a prova de que Sartre não estava sozinho em suas fantasias: escrevendo em 1974, ele chegou a profetizar, como fez Sartre em relação à URSS, que em 25 anos Cuba estaria entre as grandes potências econômicas do mundo, com um nível de vida superior ao dos EUA...

Sartre, é claro, não foi o único a traduzir sua devoção ao comunismo em termos peremptórios. Antes e depois dele, muitos outros fizeram e fazem o mesmo. Um dos comentários mais tristemente famosos sobre a URSS foi feito em 1921, pelo jornalista norte-americano Lincoln Steffens, após uma visita ao país: "Eu vi o futuro e ele funciona", declarou o repórter. Nas décadas seguintes, esse tipo de comentário infeliz seria repetido à exaustão por uma legião de intelectuais ocidentais sobre outros países comunistas, como a China (Edgar Snow) ou Cuba (C. Wright Mills, Leo Huberman, Paul Sweezy etc.). E hoje, é repetido por muitos advogados do antiamericanismo que fecham os olhos voluntariamente para os perigos do terrorismo islamita, como Noam Chomski, Tariq Ali, Ignácio Ramonet e Eduardo Galeano. No Brasil, sempre a reboque das modas intelectuais européias e norte-americanas, autores como Caio Prado Jr. (O Mundo do Socialismo) e até Jorge Amado (O Mundo da Paz, O Cavaleiro da Esperança) pagaram tributo ao culto do comunismo soviético. Sem falar nos emires sáderes da vida que infestam as universidades.

Hoje, quando se vêem tantos intelectuais e pseudo-intelectuais de miolo mole repetindo as mesmas platitudes sobre Cuba ou a Venezuela de Hugo Chávez, é impossível não lembrar de Sartre e de sua frase inacreditável. Principalmente quando tantos acreditam que denunciar o comunismo, hoje, é chutar cachorro morto. É mais uma manifestação do espírito que deu origem à declaração de Sartre: os comunistas podem não ser os democratas que diziam ser, mas bater neles depois da queda do Muro seria covardia, pois eles são merecedores mais de pena do que de repúdio, coitados, são uns bichinhos fofinhos, tadinhos... Ou seja: até na derrota eles mereceriam um tratamento diferenciado. Como se as mesmas idéias que geraram 100 milhões de mortos no século que passou não estivessem sendo defendidas hoje e não devessem ser combatidas.

Fico imaginando o que diria a intelligentsia nacional e estrangeira diante de um filósofo que dissesse, com toda a certeza, que "todo antifascista é um cão". Seria apedrejado em praça pública, certamente, e com razão. Pois Jean-Paul Sartre não disse algo muito diferente disso. A diferença, nesse caso, é que os crimes do comunismo serão sempre vistos como necessários e justificáveis para construir um novo mundo e um novo homem. Pelo menos, até que todos se convençam que não existe ditadura benigna, nem totalitarismo humanista. Nem todo anticomunista é um democrata, é verdade. Mas todo comunista é totalitário. E todo defensor do totalitarismo é um cão e merece o desprezo da humanidade.


MAIS UM FRACASSO GLORIOSO DA DIPLOMACIA MEGALONANICA


Mais um texto de Augusto Nunes que me enche de inveja. Lógica implacável, argumentos incisivos, estilo direto e sem ambigüidades, com a dose certa de ironia, como deve ser. Definiu com clareza cartesiana o monumental fracasso da política externa megalonanica do Itamaraty lulista, não somente em Honduras mas em tudo que diga respeito à democracia. Pena que não fui eu que escrevi. Uma aula. Acompanhem. Ou melhor: apreciem sem moderação.
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A BOCA À ESPERA DE UM DENTISTA ABRE A CANTILENA DOS DERROTADOS

Raul foi eleito presidente de Cuba pelo irmão Fidel, que reinou durante 50 anos sem que os nascidos na ilha depois de janeiro de 1959 aprendessem a distinguir uma urna de um criado-mudo. No último verão, dispensado da prova eleitoral, o caçula dos Castro fez bonito no exame de readmissão improvisado pela Organização dos Estados Americanos.

Muito justo, festejou o governo Lula. E a chamada “cláusula democrática” da OEA?, intrigaram-se os coerentes. Qual é o problema?, desdenhou o inevitável Marco Aurélio Garcia. Entre outros ensinamentos, o Alto Conselheiro para Complicações Cucarachas fez Lula aprender que, se um companheiro estiver no comando, uma ditadura é democracia. E os irmãos cubanos são flores do mesmo buquê.

Neste domingo, terminada a campanha que começou bem antes da deposição de Manuel Zelaya e não foi interrompida pela crise política, o povo hondurenho colocará um ponto final no drama que se arrasta há quatro meses. Em eleições cuja lisura terá o testemunho de observadores estrangeiros, será escolhido nas urnas, pelo voto direto, o novo presidente da pequena república da América Central.

O favorito entre seis concorrentes é um adversário do governo interino. Há candidatos para todos os gostos. Devotos e simpatizantes de Zelaya, por exemplo, são representados por Cesar Ham, da Unificação Democrática, que apoiou o presidente antes do despejo e continua ao lado do gerente-geral da pensão instalada na antiga embaixada brasileira. É um dos dois partidos que não desistiram da batalha perdida. O outro é o PT.

O vencedor da disputa, portanto, terá superado com brilho a prova eleitoral e atendido amplamente à cláusula democrática da OEA. Certo? Errado, reiterou a figura que reagiu com o mais obsceno toptoptop ao noticiário sobre o acidente com o avião da TAM em Congonhas. Seja qual for o escolhido, ordenou Lula, não merece a amizade do Brasil ─ nem deve receber de volta a carteirinha de sócio do clube continental. Se um companheiro não estiver no comando, uma democracia é ditadura.

“Eleições feitas por golpistas não têm sentido”, avisou a boca à espera de um dentista. Nenhum governo golpista jamais promoveu eleições exemplarmente democráticas, mas Garcia não é homem de render-se a fatos. Em nome do Planalto, exige que o presidente dos Estados Unidos esteja a bordo do barco no momento do naufrágio. “Estamos decepcionados com Barack Obama”, anda rosnando o conselheiro, inconformado com o prévio reconhecimento pela Casa Branca do resultado da eleição.

O que ainda espera Garcia para vingar-se espetacularmente, com um só lance, de um instável ianque e do bando de totalitários cucarachas? Como descobriu o colega americano, Lula é o cara, certo? O cara resolveu que quem tem de mandar em Honduras é Zelaya, certo? Pois basta que Lula, como acaba de fazer no Uruguai, ordene aos eleitores que escolham o aliado de Zelaya. O triunfo de Cesar Ham comprovará que o governo brasileiro esteve sempre certo. Essa é a jogada que Garcia deve sugerir ao chefe.

O resto é conversa de quem perdeu o juízo, o rumo, a compostura, a decência e a eleição.

terça-feira, novembro 24, 2009

ASNEIRAS, CINISMO OU LOUCURA?


A visita indesejável do genocida e antissemita Mahmoud Ahmadinejad, ontem em Brasília, deixou, como não poderia ser diferente, um rastro de enxofre. Não somente pela vinda em si do facinoroso e inimigo da humanidade, mas também pelos, digamos, "argumentos" que alguns asseclas do protagonismo internacional destrambelhado lulo-petista usaram para tentar justificar o injustificável.

Vejamos algumas dessas "pérolas" de lógica e de realismo político, pelas quais se está tentando apresentar o dia mais triste da história do Itamaraty como um grande feito da política externa brasileira e uma mostra de suprema sabedoria e pragmatismo.

A primeira gema saiu da boca de um deputado (do PT, claro), um certo Cândido Vaccarezza. O nobre parlamentar, como bom soldado do lulo-petismo, afirmou que as críticas da oposição (muito tímidas, por sinal) à visita de Ahmadinejad eram - vejam vocês - "preconceituosas" e "intolerantes". Aproveitou, ainda, para repetir o bordão oficial, divulgado pelos quatro cantos por certa imprensa oficialista, de que é melhor conversar com o Irã, pois isolar o regime não ajudaria em nada a trazê-lo para o lado da democracia etc.

Vocês leram certo: para Sua Excelência, quem se opõe à visita de Ahmadinejad é "preconceituoso" e "intolerante". Tem razão. Só porque, vejam só!, ele, Ahmadinejad, quer varrer Israel do mapa? Só porque ele nega o Holocausto, o genocídio mais documentado da História? Só porque ele dá armas aos terroristas islamitas do Hezbollah, do Hamas e do Jihad Islâmica, que trabalham para tornar realidade o que ele defende? Só porque no Irã os opositores do regime islamita, assim como os homossexuais e as minorias religiosas, são espancados barbaramente e assassinados pela polícia religiosa? Diante disso, condenar a visita de tão amável criatura só pode ser mesmo uma demonstração de preconceito e intolerância, não é mesmo?

Mas isso não é tudo: para boas almas como o ilustre parlamentar petista citado acima, isolar um regime como o iraniano é um erro, pois serviria apenas para radicalizá-lo ainda mais etc. e tal. Será mesmo? Desde que assumiu a presidência dos EUA, Barack Hussein Obama não tem feito outra coisa a não ser pedir desculpas aos aitolás iranianos pelos "erros do passado" e estender-lhes um ramo de oliveira. Pois bem. O que tem feito Ahmadinejad ante os sinais de paz da Casa Branca? Não somente ele não mudou um milímetro sua política em relação aos EUA e a Israel como RADICALIZOU suas declarações antiaocidentais e antiamericanas, tendo interpretado (corretamente, alíás) o gesto de Obama como um sinal de fraqueza e pespegando uns testes de mísseis balísticos capazes de atingir Israel com ogivas nucleares. Ogivas que o regime de Teerã deve estar tentando produzir, pois ele, Ahmadinejad, desde então só fez intensificar seu programa nuclear secreto, à revelia dos inspetores internacionais. Viram como é bom e realista "não isolar" um regime como o do Irã?

Mas as maiores asneiras, nesses dias tenebrosos, não saíram do cérebro de nenhum deputado petista em particular. São certas idéias feitas, ou lugares-comuns, que, repetidas à exaustão por supostos especialistas, com o ar mais sério do mundo para disfarçar a própria vacuidade mental, adquiriram ares de verdadeiros dogmas da política internacional. Um desses chavões, certamente o mais repetido, é que a visita do ditador iraniano poderá render bons frutos para o Brasil, em especial no "aumento da influência brasileira" no mundo e no comércio bilateral. No tocante ao primeiro suposto resultado da visita, o Brasil teria saído ganhando porque, além do apoio do Irã à candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o País teria se credenciado, após receber os chefes de Estado de Israel e da Autoridade Palestina, a servir de "mediador" no intrincado tabuleiro político do Oriente Médio - uma espécide de ponte entre os lados em conflito etc. Além disso - prestem atenção ao argumento -, ao ignorar as críticas por receber o negador do Holocausto e apoiador do terrorismo, o governo Lula estaria mostrando "independência" em relação aos EUA etc. etc.
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Vejamos cada um desses "argumentos".
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- "Aumento da influência internacional do Brasil": para os talleyrands e kissingers brasileiros, a visita de Ahmadinejad estaria justificada pela construção do que chamam de "uma nova configuração mundial de poder", de nítido sentido terceiro-mundista. Esse admirável mundo novo estaria sendo esboçado, entre outras coisas, pelo apoio dado por governos como o do Irã ao pleito brasileiro a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas - verdadeira obsessão do Itamaraty sob Lula. Pouco importa, segundo essas mentes privilegiadas, que esse apoio tenha sido dado por um ditador, e que o tão decantado aumento do protagonismo do País nos assuntos internacionais ocorra de mãos dadas com o namoro com ditaduras. O custo político dessa opção pró-tiranias, aliás, não tardará a aparecer. Assim como já está evidenciado o caráter megalomaníaco de uma política externa que prioriza alianças com Ahmadinejad e Hugo Chávez e intervém em Honduras para restabelecer um golpista bolivariano no poder.

- "Aumento do comércio bilateral": Esse foi apresentado por muitos como o argumento definitivo para aplaudir a decisão de receber o ditador iraniano. "Que importa se o sujeito é um louco e se o país que ele preside é uma ditadura? O importante é o comércio, o interesse nacional. Temos de ser pragmáticos" etc. Cheguei a ouvir gente que se considera inteligente repetindo essa asnice. Não sei o montante das trocas comerciais entre Brasil e Irã, mas digamos que ele aumente, após a visita de Ahmadinejad, em 100%, ou em 200%, ou, sei lá, em 1.000%. Que diferença isso iria fazer para mudar o fato de que no Irã os opositores são executados e mulheres são enforcadas por adultério? Que diferença fariam os milhões ou bilhões do comércio entre os dois paises para mudar o fato de que o Irã financia o terrorismo do Hamas e do Hezbollah? Que diferença faria um acordo comercial com a Alemanha de Hitler nos anos 30 para evitar o Holocausto?

- A tese do Brasil como "mediador" no conflito do Oriente Médio: Trata-se de uma preciosidade, saída das mentes de gênios da diplomacia itamaratiana - ao receber Ahmadinejad, o Brasil estaria dando uma prova de "independência" na questão, credenciando-se para "mediá-la". Além do ridículo da pretensão de "mediar" a busca da paz junto a quem não quer a paz e trabalha contra ela - Lula já chegou a dizer, num arroubo de inspiração chamberlainiana, que é preciso conversar até com quem se opõe à paz... -, o governo brasileiro pretende com isso mostrar que não segue a política dos EUA e de seus aliados. Que recebe Ahmadinejad, em vez de repudiá-lo, para não se subordinar a eles, os gringos imperialistas, o que é, na verdade, uma forma de subordinação mental - como se fosse preciso concordar 100% com a política de Washington para condenar o antissemitismo de Ahmadinejad. É preciso repudiar Ahmadinejad por nós mesmos, e não por outrem.

Essa obsessão por mostrar "independência", nessa e em outras questões, não é capaz de esconder a profunda insegurança que está por trás dela. É algo que beira a cretinice e a mais completa ignorância. Na visita da segunda-feira, Lula defendeu o "direito" de o Irã ter um programa nuclear "para fins pacíficos" - como se ter um programa nuclear secreto e pregar insistentemente a destruição de outro país tivessem alguma coisa a ver com qualquer "direito"... Será que não sabem que Ahmadinejad prega sistematicamente a destruição de Israel e, portanto, o extermínio de sua população? Não custa lembrar: Chamberlain e Daladier acreditaram quando Hitler disse em Munique, em 1938, que a remilitarização da Alemanha não tinha objetivos agressivos. Era para "fins pacíficos"...
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A mesma idéia idiota aparece num dos órgãos oficiosos da propaganda lulo-petista, a revista Carta Capital desta semana. Em reportagem em que tenta edulcorar o regime de Teerã, mostrando que ele não é tão ruim assim, pois, entre outras coisas, censura, tortura e mata sensatamente, "como a antiga URSS", a revista de Mino Carta nem sequer se fia na lorota do programa nuclear "pacífico", mas defende abertamente o direito de a teocracia iraniana ter armas nucleares. E o faz apelando para o velho discurso antiamericano, como é de seu feitio, afirmando o seguinte, na página 61:

"Os EUA não fizeram objeções quando Israel, Índia e Paquistão obtiveram armas nucleares e estavam dispostos a aceitar que o Xá as tivesse, como Henry Kissinger veio a admitir. Há razões para aplicar outros pesos e medidas aos aiatolás, que insistem em que seu programa é pacífico?"

Respondo: não, não há razões para aplicar "outros pesos e medidas" ao Irã. Há, sim, razões lógicas e de bom senso para não querer que os aiatolás coloquem as mãos na bomba atômica. Nenhum dos Estados citados acima fornece armas a movimentos terroristas que juraram destruir outro país como faz o Irã ao patrocinar o terrorismo do Hezbollah no Líbano e do Hamas e da Jihad Islâmica nos territórios palestinos. O Paquistão, que tem sua parcela de culpa por ter apoiado o Taliban no Afeganistão e por apoiar os separatistas da Caxemira, não o faz, porém, visando a varrer do mapa a Índia, até porque sabe que isso é impossível, mesmo tendo a arma nuclear. O Irã, por sua vez, tem no aniquilamento de Israel um dos pilares de suas políticas externa e interna. Diante disso, há motivos de sobra para desconfiar das declarações de seus aiatolás e, sobretudo, de Ahmadinejad, a respeito do caráter "pacífico" de seu programa nuclear - além de tudo, secreto. Aliás, se o programa é mesmo pacífico, por que Ahmadinejad insiste em não cumprir as determinações da Agência Internacional de Energia Atômica?

Por tudo isso que está acima, não é difícil perceber que o Brasil não ganhou nada com a visita de Ahmadinejad. O País não ganha nada cortejando ditadores e terroristas. Pelo contrário, só perde. O País e a humanidade.

Talvez a melhor maneira de mostrar a miséria política e moral a que chegou a política exterior lulista é relembrando um fato da História recente. Em 1974, o deputado Chico Pinto, do MDB (Movimento Democrático Brasileiro, partido de oposição ao regime militar), teve o mandato cassado por ter pronunciado um discurso na tribuna da Câmara protestando contra a visita ao Brasil do ditador do Chile, general Augusto Pinochet. Chico Pinto, que morreu em 2007, passou para a História como um mártir da luta pela democracia e pelos direitos humanos no Brasil, e assim é considerado pelos mesmos que aplaudiram a visita de Ahmadinejad. E olhem que a repressão no Chile, violenta e brutal como foi, não chega aos pés da que existe no Irã dos aiatolás. Se fosse hoje, Chico Pinto seria execrado pelos petistas por se opor ao "interesse nacional" - mesmo argumento usado pelos militares que o cassaram.

Antes que digam: não, não acho que se deve manter relações somente com quem pensa igual a nós mesmos, com quem concorda com nossos pontos de vista. Acho esse argumento um primor de sonsice e de estupidez. Creio apenas que não se deve, em nome do interesse nacional, do comércio ou do que quer que seja, cruzar um certo limite civilizacional. E esse limite, no caso do louco de Teerã, foi transposto pelo governo Lula. A política externa deve guiar-se por interesses, é óbvio, mas também por valores, sem os quais aqueles perdem o sentido - do que adianta conquistar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, por exemplo, se for para defender tiranias? Em outras palavras, para ficar mais claro: não devo deixar de conversar com meu vizinho se ele não pensa como eu, ou se não torce para o mesmo time de futebol, mas tenho o direito - melhor dizendo: tenho o DEVER - de não cortejá-lo, ou, pelo menos, de manter uma distância prudente, se ele for um estuprador ou um assassino. Tanto nas relações pessoais como nas relações entre os países, um mínimo de pudor, de decência, é necessário.

No caso do Irã, esse pudor, essa decência, se é que havia, foram parar na lata do lixo pelas mãos de Lula e Celso Amorim. Ao ignorar o caráter antissemita e terrorista do governo de Ahmadinejad, e ao tentar se colocar como "mediador", como "neutro" entre Israel e a teocracia iraniana, entre uma democracia e um regime terrorista e genocida, o governo brasileiro está, na prática, tomando o partido deste último. Está se colocando ao lado do terror e da barbárie contra a civilização.

Não transigir com o mal, nenhuma tolerância com os intolerantes: estas regras tão comezinhas da vida civilizada deveriam ser também mandamentos das relações exteriores, tão ou mais importantes quanto aumentar o comércio e encontrar novas oportunidades de negócios. E não somente do ponto de vista moral, mas também político. Receber com flores e tapete vermelho crápulas como Ahmadinejad não é falta de preconceito. É falta de cérebro. E de vergonha na cara. Algo que só se justifica por uma enxurrada de asneiras, cinismo ou loucura.

sexta-feira, novembro 20, 2009

NOVE RAZÕES PARA MANDAR AHMADINEJAD PARA O INFERNO


Como todos já devem saber, no próximo dia 23 de novembro Lula vai receber o facínora iraniano Mahmoud Ahmadinejad em Brasília. Soube que alguns grupos estão preparando protestos contra essa visita, indesejada e inaceitável para qualquer pessoa com um mínimo sentido de decência.
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De fato, poucas vezes houve tantos motivos para protestar. Melhor dizendo: poucas vezes houve tantos motivos para tanta gente, com ideologias e pontos de vista tão distintos e até antagônicos, se unirem num mesmo gesto comum de asco, de nojo, por semelhante criatura. Eu, mesmo não sendo muito fã de manifestações do tipo - sempre preferi o protesto solitário às grandes multidões, e a idéia de gritar slogans e balançar bandeiras em passeatas sempre me pareceu algo impositivo e autoritário, para não dizer meio ridículo -, estou quase me decidindo a também vestir a camisa do repúdio a esse criminoso internacional travestido de estadista, que será recebido por um animador de auditório também travestido de estadista.

Se você ainda tem alguma dúvida de que o caso é realmente escandaloso, um dos maiores acintes que se poderia imaginar, aí vão nove boas razões para, creio eu, querer que o facinoroso de Teerã vá para o diabo que o carregue.

Se você é gay: Saiba que os homossexuais são perseguidos como uma praga no Irã, sendo lançados na prisão, torturados e assassinados pelo Estado. Ahmadinejad já chegou a dizer que o Irã é o único país livre de homofobia, pois lá "não existem" homossexuais...

Se você é mulher: Na República Islãmica do Irã de Ahmadinejad, as mulheres são cidadãs de segunda ou terceira categoria, são obrigadas a usar o hijab, a túnica negra que deixa apenas o rosto à mostra, e são surradas pela polícia religiosa se ousarem desafiar as imposições religiosas.

Se você é judeu: Ahmadinejad nega que tenha havido o Holocausto, considerando o genocídio de 6 milhões de judeus pelo nazismo uma fantasia. Também já defendeu que Israel deva ser varrido do mapa.

Se você defende a liberdade religiosa: No Irã, grupos religiosos como os Baha'i, são duramente perseguidos e assassinados pelo regime xiita. Judeus e outras minorias também são reprimidos pelo Estado teocrático, onde vigora a sharia (a lei islâmica). Escritores como o anglo-indiano Salman Rushdie foram condenados à morte por uma fatwa (decreto religioso) por terem escrito livros considerados ofensivos ao Islã.

Se você ama a liberdade e os direitos humanos: O Irã é uma das ditaduras mais tirânicas do mundo, em que uma adolescente pode ser enforcada por adultério e onde opositores do regime são presos, torturados e assassinados pela polícia política. As últimas eleições presidenciais, das quais Ahmadinejad saiu vencedor, foram escandalosamente fraudadas e os opositores, reprimidos com violência. O país é um dos campeões em censura e violações dos direitos humanos no mundo, segundo a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.

Se você defende a causa palestina: O regime iraniano fornece armas e dinheiro aos terroristas islamitas do Hezbollah no Líbano e do Hamas e do Jihad Islâmica na Faixa de Gaza, que se opõem à criação de um Estado palestino ao lado de Israel e costumam massacrar os moderados da Fatah. Em 2006, os fanáticos do Hamas, apoiados por Teerã, tomaram o poder na Faixa de Gaza e exterminaram centenas de militantes da Fatah.

Se você é comunista: Os comunistas iranianos, que tiveram um papel importante na queda da monarquia em 1979, estiveram entre os primeiros a serem exterminados pelo regime dos aiatolás logo após a implantação da República Islâmica, teocrática e anticomunista.

Se você é pacifista: Ahmadinejad defende a destruição de Israel e apóia o terrorismo de grupos como o Hezbollah e o Hamas, e desenvolve há anos um programa nuclear clandestino, tendo sido alvo já de diversas sanções da ONU por descumprir acordos e convenções internacionais. O Irã é um "rogue state", assim como a Coréia do Norte.

Se você pertence à espécie humana: Qualquer motivo acima é suficiente para você protestar contra a vinda desse déspota e inimigo do gênero humano.

No dia 23, portanto, eu também não vou deixar de dizer:

AHMADINEJAD, VÁ PARA O INFERNO!

DESAFIO

Este blog DESAFIA qualquer pessoa a mostrar qualquer PROVA de que a cubana Yoani Sánchez, do blog Generación Y, tem qualquer relação com os serviços secretos da ditadura dos irmãos Castro em Cuba.
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Comprometo-me a publicar aqui todas as mensagens que trouxerem argumentos sobre o caso. Se eu não conseguir refutar o que for escrito com fatos e lógica, eu RETIRO tudo que escrevi sobre a Yoani até agora: apagarei todos os posts sobre o assunto. De quebra, ainda escreverei um texto me retratando.
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O desafio está lançado. Quem vai encarar?

É ASSIM QUE SE RECEBE UM DITADOR


A próxima segunda-feira, 23 de novembro, será uma data triste para a história da diplomacia brasileira. Melhor dizendo: será um dia triste para a Democracia. Para os Direitos Humanos. Para a Tolerância. Enfim, para a Humanidade.

O presidente Lula, que já disse, todo sério, que, "com democracia não se brinca" e que costuma se gabar de sua "resistência à ditadura" em terras tupiniquins, irá receber, com honras oficiais, batedores, tapete vermelho, salamaleques e tapinhas nas costas, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Os estrategistas da diplomacia lulista irão apresentar a decisão de convidar Ahmadinejad - ele foi convidado, ao contrário do presidente de Israel, Shimon Peres, que praticamente se convidou, e já esnobou um outro convite do Itamaraty em cima da hora - como mais uma mostra do "pragmatismo" do governo Lula, de sua infinita sabedoria e ausência de preconceitos ideológicos etc. Irão dizer também que o encontro será entre dois Estados, que será importante para o comércio bilateral, para o multilateralismo etc. Enfim, o de sempre.

É, pode ser. O comércio internacional, ou, como se diz, a realidade do poder, tem seus próprios critérios. Certamente, por exemplo, um acordo comercial ou de troca de tecnologia com a Alemanha de Hitler seria proveitoso para o Brasil. Mas isso justificaria uma visita de Hitler ao País? Mais: justificaria declarações do presidente da República minimizando os horrores do nazismo? É isso que se chama realidade do poder?

Uma coisa é certa como o nascer do sol no dia seguinte: durante a visita do iraniano, Lula não falará com ele sobre democracia, direitos humanos, liberdade para presos políticos, tolerância religiosa, reconhecimento do direito de Israel à existência, combate ao terrorismo etc. - essas coisas chatas que atrapalham o comércio entre os países. Ou, se falará, será para que Lula, usando todo seu charme e sapiência diplomática, aprendida na escola da vida e no sindicato, tente atrair o líder iraniano, como ele disse, a boas causas, convencendo-o, por exemplo, a não mais enforcar opositores, ou a reconhecer Israel, ou a desistir de seu programa nuclear... Lula já disse que é preciso negociar a paz até com quem se opõe à paz. Que só assim se pode atrair quem não quer negociar para as boas causas. Eis aí uma oportunidade de colocar isso em prática. Será que vai dar certo?

Sei que ninguém no Itamaraty, nesses tempos de apagão energético, mental e moral, vai dar a menor bola para este post, e ele não vai mudar um milímetro a política externa do Aiatolula, que comparou a repressão aos opositores no Irã a uma partida de futebol e reconheceu a vitória fraudulenta de Ahmadinejad nas urnas antes mesmo dos aiatolás iranianos. Mas não posso deixar de transcrever, aqui, um discurso que considero um dos melhores dos últimos tempos.

Em 24 de setembro de 2007, Ahmadinejad falou na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, num evento organizado pela Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da instituição, como parte da programação acadêmica daquele ano, que foi dedicado às questões iranianas. Antes do discurso de Ahmadinejad, o reitor da universidade, Lee Bollinger, fez algumas considerações introdutórias. E passou uma descompostura histórica no delinqüente de Teerã.

No discurso, cujo vídeo pode ser encontrado no Youtube, ao agradecer os esforços dos coordenadores do evento, Bollinger lembra: “Ouvir idéias que nós deploramos não implica endossá-las nem é sinal de fraqueza ou ingenuidade diante dos perigos reais inerentes a essas idéias”. Em seguida, disse: “Uma das premissas cruciais da liberdade de expressão é que não tornamos honrada a desonra quando abrimos o debate para que ela se manifeste”. Ele afirmou compreender os motivos dos que se opuseram à presença de Ahmadinejad em Columbia e pede desculpas em nome da instituição àqueles que se sentiram ofendidos pela presença do genocida e negador do Holocausto. E afirma, enfaticamente: “Que fique claro de uma vez por todas: este evento não tem absolutamente nada a ver com o ‘direito’ de quem fala, mas apenas com o nosso direito de ouvir e falar. Fazemos isso por nós”.

Após exaltar os valores da liberdade e do entendimento do mundo, lembrando que a universidade não faz a paz nem a guerra, mas forma cérebros, ele se dirigiu diretamente a Ahmadinejad. Mencionou então diversos casos no Irã de perseguição a professores - um deles, formado em Columbia, afirma que a Anistia Internacional denunciou a execução de 210 pessoas (21 num único dia, 5 de setembro). Entre os mortos, crianças - sim, crianças! - e defensores dos direitos humanos. Lembrou a realização de execuções públicas, que constituem uma violação de convenções internacionais de direitos de que o Irã é signatário. Enfim, uma aula de tolerância e liberdade a alguém que desconhece o significado dessas palavras. Eis alguns trechos da fala do reitor (os grifos são meus):

“Essas e outras execuções coincidiram com a selvagem repressão contra ativistas estudantis e professores, acusados de fomentar a chamada ‘revolução suave’ (…) Como disse a doutora Esfrandiari numa entrevista, ela ficou presa numa solitária por 105 dias porque o governo acreditava que os EUA planejavam uma “Revolução de Veludo” no Irã. Nesta mesma sala, no ano passado, nós aprendemos alguma coisa sobre a Revolução de Veludo de Vaclav Havel. E ouviremos algo semelhante de Michelle Bachelet, presidente do Chile. Estas duas histórias extraordinárias lembram-nos de que não há prisões suficientes para impedir uma sociedade que queira ser livre de ser livre.

Nós, nesta universidade, não temos receio de protestar contra o nosso governo e de contestá-lo em nome desses valores. E não temos receio de criticar o seu governo.

Vamos deixar claro de saída: senhor presidente, o senhor exibe todos os sinais de um ditador mesquinho e cruel.

E eu lhe pergunto: por que as mulheres, os membros da religião Baha’i, homossexuais e muitos dos nossos colegas professores são alvos de perseguição em seu pais?

Por que, numa carta ao secretário geral da ONU na semana passada, Akbar Gangi, um dissidente, e outras 300 personalidades, entre intelectuais, escritores e laureados com o Prêmio Nobel acusam que a sua retórica inflamada contra o Ocidente busca desviar a atenção do mundo das condições intoleráveis que o seu regime criou dentro do Irã, em especial o uso da Lei de Imprensa para banir os críticos?

Por que o senhor tem tanto medo de que os cidadãos iranianos expressem suas opiniões em favor de mudanças? (…)

O senhor me deixa liderar uma delegação de estudantes e professores da Columbia para falar na sua universidade sobre liberdade de expressão, com a mesma liberdade que lhe garantimos hoje? O senhor fará isso?

Em dezembro de 2005, num programa da TV estatal, o senhor se referiu ao Holocausto como uma invenção, uma lenda. Um ano depois, o senhor apoiou uma reunião de negadores do Holocausto.

Para os iletrados, os ignorantes, isso é propaganda perigosa. Quando o senhor vem a um lugar como este, isto faz do senhor simplesmente um ridículo. Ou o senhor é um provocador descarado ou é espantosamente mal-educado [sem formação intelectual].

O senhor precisa saber que a Columbia é um centro mundial de estudos judaicos e, agora, em parceria com o Instituto YIVO, de estudo do Holocausto. (…) A verdade é que o Holocausto é o mais documentado evento da história humana. (…). O senhor vai parar com esse ultraje?

Doze dias atrás o senhor disse que o estado de Israel não pode continuar a existir. Isso repete inúmeras declarações inflamadas que o senhor tem feito nos últimos dois anos, incluindo a de outubro de 2005, segundo a qual Israel tem de ser “varrido do mapa”.

A Columbia tem mais de 800 ex-alunos vivendo em Israel. Como instituição, temos profundos laços com nossos colegas de lá. Eu, pessoalmente, tenho me manifestado com força contra propostas de boicotar estudantes e especialistas de Israel dizendo que isso seria boicotar a própria Columbia. Mais de 400 colegas e reitores neste país pensam o mesmo. Minha pergunta, então, é: “O senhor planeja nos varrer do mapa também?”

De acordo com o Council on Foreign Relations, está bem documentado que o Irã é patrocinador do terror, financiando grupos violentos como o libanês Hezbollah, que o Irã ajudou a organizar em 1980, e os palestinos Hamas e Jihad Islâmica.

Enquanto o governo que o precedeu colaborou com os EUA na campanha contra o Taliban, em 2001, o seu governo está atacando sorrateiramente as tropas americanas no Iraque, financiando, armando e garantindo livre trânsito para líderes insurgentes como Muqtada al-Sadr e suas forças.

Há inúmeros relatos que ligam o seu governo com os esforços da Síria para desestabilizar o frágil governo do Líbano por meio da violência e do assassinato político.

Minha questão é esta: por que o senhor apóia organizações terroristas que continuam a golpear a paz e a democracia no Oriente Médio, destruindo vidas e a sociedade civil na região?

O general David Patraeus afirmou que armas fornecidas pelo Irã (…) estão contribuindo para a sofisticação de ataques, “que não seriam possíveis sem o apoio do Irã”. Muitos formados da Columbia e estudantes estão entre os bravos militares que estão servindo ou serviram no Iraque e no Afeganistão. Eles, como outros americanos com filhos, filhas, pais, maridos e mulheres que estão em combate vêem, certamente, o seu governo como inimigo.

O senhor pode lhes dizer e a nós por que o Irã está lutando uma guerra que não é sua no Iraque, armando a milícia Shi’a, alvejando e matando tropas americanas?

Nesta semana, o Conselho de Segurança da ONU avalia ampliar as sanções [contra o Irã] pela terceira vez porque o seu governo se recusa a suspender o programa de enriquecimento de Urânio(…)Por que o seu país se recusa a aderir ao padrão internacional de verificação de armas nucleares, em desafio a acordo que o senhor fez com a agência nuclear das Nações Unidas? E por que o senhor escolheu fazer o seu próprio povo vítima dos efeitos das sanções internacionais, ameaçando fazer o mundo mergulhar na aniquilação nuclear?

Deixe-me encerrar com este comentário. Francamente, com toda sinceridade, senhor presidente, eu duvido que o senhor tenha coragem intelectual de responder essas questões.(…)"

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Diante do que está aí em cima, só há uma pergunta a ser feita: quem, no governo brasileiro, terá a coragem de dizer algo semelhante a Ahmadinejad no próximo dia 23 de novembro? É claro que todos sabem a resposta. E ela me enche de vergonha.

quinta-feira, novembro 19, 2009

ALGUMAS LIÇÕES DO CASO BATTISTI


Corpo do primeiro-ministro italiano Aldo Moro,
seqüestrado e assassinado
pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas, em 1978:
segundo Tarso Genro, isso NÃO é terrorismo
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O STF decidiu ontem, por 5 votos a 4, pela extradição do homicida italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália por diversos crimes, entre os quais quatro assassinatos no final dos anos 70. Ao mesmo tempo, porém, a Suprema Corte brasileira resolveu que a decisão final sobre a extradição ou não de Battisti não cabe a ela, mas ao presidente da República, Lula. Em outras palavras: o Supremo decidiu que não é Supremo na questão e entregou a batata quente a Lula. Assessorado por Tarso Genro, não é difícil imaginar qual será sua decisão.
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Creio que quem lê este blog já deve saber mais ou menos o que é o caso Battisti, então não vou entrar em minúcias. Vou apenas mencionar as lições mais importantes, até aqui, desse imbróglio. De acordo com o que dizem os defensores de Battisti (Tarso Genro, os parlamentares do PT e do PSOL etc.),

- a Itália era uma ditadura nos anos 70, e não um regime constitucional democrático;

- matar pessoas à bala ou em incêndios não é crime comum;

- não existe terrorismo de esquerda, em nome da ideologia comunista;

- a Itália de hoje é um Estado autoritário, e não um Estado Democrático de Direito, pois a Justiça italiana não garante o direito de defesa e o devido processo legal.

Em outras palavras, o que está dito aí em cima é o seguinte:

- Qualquer um que não gostar do governo de um país, ainda que seja uma democracia como a Itália, e que resolver matar pessoas e explodir bombas, terá a certeza de que, no Brasil, isso não será considerado crime comum.

- Qualquer um que matar pessoas e explodir bombas em outros países, em nome da ideologia comunista ou contra o "sistema", poderá fugir para o Brasil que será considerado refugiado político e não será extraditado para o país onde foi condenado por tais crimes.

Diante do que vai aí em cima, pergunto:

POR QUE RAIOS NÃO CONCEDER REFÚGIO POLÍTICO A OSAMA BIN LADEN?

O VEXAME COLOSSAL DO GOVERNO LULA EM HONDURAS


Lembram de Honduras? Ou melhor: lembram de Manuel Zelaya, o bigodudo que se mudou com malas e militantes para a embaixada do Brasil naquele país, e que desde então é considerado "hóspede" do governo brasileiro?

Pois é... De tão ridícula a pantomima armada pelos bolivarianos em Honduras, com o apoio de Lula e de Celso Amorim, o chapeludo já nem chama mais a atenção. Depois do fuzuê inicial ("golpe de estado em Honduras!", "golpe militar!" etc.), alguém lembrou de ler a Constituição do país e então as coisas começaram a ficar mais claras. Quase não se ouve mais falar na TV em "governo golpista", mas em governo provisório, ou interino, para se referir ao governo constitucional de Honduras. Até mesmo Obama, o queridinho das esquerdas de lá e de cá, parece ter se rendido aos fatos, tendo percebido que Zelaya é, afinal, um encrenqueiro, e que o melhor mesmo é reconhecer as eleições presidenciais de 29 de novembro. Na semana passada, depois de ajudar a fazer naufragar o acordo recém-alcançado com o governo interino, o aprendiz de Hugo Chávez decidiu sair da brincadeira, e declarou, a quem interessar possa, que não irá aceitar o resultado das eleições. Foi solenemente ignorado. O que mostra que ele já é carta fora do baralho e que quase ninguém, somente Chávez e o governo Lula, lhe dá mesmo a menor bola.

O vexame da diplomacia brasileira em Honduras é mesmo colossal. É, provavelmente, o maior de toda sua história. Para qualquer pessoa com um mínimo de capacidade cerebral, já está mais que claro que golpista, nessa história de Honduras, é Zelaya, e não os que o depuseram para preservar a Constituição. Digo para qualquer pessoa, menos para os bolivarianos e, claro, para o governo do Brasil, que insiste em tratar Zelaya como vítima de golpe e como o legítimo representante do povo hondurenho. Ou seja: insiste em passar vexame, intervindo diretamente na realidade política de outro país, como já escrevi bastante aqui. Daí porque é fácil deduzir por que o governo Lula tem mantido silêncio sobre a questão nas últimas semanas: é que a posição brasileira é tão absurda que, quanto mais se tenta justificá-la, maior é a vergonha.

Há alguns dias, recebi um e-mail de um amigo meu e colega de profissão, que pede para não ser identificado, sobre a questão de Honduras. Atendo a seu pedido de permanecer no anonimato, mesmo sem ter entendido, ate agora, por quê (se ele está tão certo da justeza da posição do Itamaraty na questão, por que esse receio todo em mostrar o rosto? Deixa pra lá...). Ele, meu colega, assim apresenta o que deve considerar um bom "argumento" para respaldar a posição de que houve golpe em Honduras em 28/06:

Quanto ao quiproquó de Honduras sobre o qual reitero que não quero me alongar, vou só dizer que: Zelaya feriu ou não a Constituição? Cabe dizer que Zelaya espertamente nunca verbalizou que a tal consulta que queria era com o intuito de reeleger-se. Ninguém é ingênuo de não achar que o cara queria mesmo a reeleição (mas no futuro, não agora), mas a ligação entre a tal consulta e o desejo de reeleger-se não é automática como querem fazer crer. Acho que este é um dos pontos-chave que deve ser levado em conta.

É incrível, mas, tirando o argumento do pijama ("o cara foi preso e expulso de pijama" etc.), esse é, até agora, o principal "argumento" do governo brasileiro para justificar o abrigo ao "hóspede" Zelaya: ele foi vítima de golpe porque a tal consulta que ele quis fazer, apesar de ilegal, não era para ele, Zelaya, não haveria tempo para ele se beneficiar da medida ("no futuro, não agora") etc. Em resposta, escrevi o seguinte e-mail a meu colega e amigo (omito, para sua paz de espírito, qualquer referência ao remetente):

(...), mesmo sabendo que vc não quer se "alongar" e que prefere escapar do debate, não resisto a responder uma questão que vc colocou em seu último e-mail sobre o mico histórico brasileiro em Honduras: se o mané zé laia queria a tal "consulta popular" pra decidir sobre a reeleição dele ou não, e que não seria pra ele porque não haveria tempo etc., é algo completamente irrelevante. A questão é que a Constituição do país proíbe a reeleição. E ponto. (...) não faz diferença se quem iria reeleger-se seria não ele, zé laia, mas seu sucessor - o importante é que ele violou uma cláusula pétrea da Constituição, como está claro no Artigo 239, e, ao fazer isso, perdeu IMEDIATAMENTE o cargo. O STF deles declarou a consulta ilegal e inconstitucional. Em outras palavras: ele, zé laia, tentou um GOLPE CIVIL. Foi isso que aconteceu.

Pra ficar mais claro: digamos que eu assalte um banco, mas diga que não fiz isso pra me beneficiar, mas pra, sei lá, ajudar alguém. Ainda assim, assaltei um banco. Cometi um crime. Ou não?

Enfim, (...), todos os argumentos que foram usados para justificar a política brasileira em Honduras caíram um a um. Não sobrou nada. Ainda espero você me convencer de que houve golpe em Honduras. Se o argumento for estritamente legal, não houve golpe nenhum, a não ser o tentado por zé laia. Por que eu devo mudar de idéia e dizer que houve golpe e que o governo Lula está certo na questão? Por causa de um pijama?

(...)

P.S.: Só por curiosidade: o Daniel Ortega acabou de dar um golpe institucional na Nicarágua. O que a OEA, a ONU, Obama, o MRE, (...) - enfim, a "comunidade internacional" - vão fazer a respeito?

Faz umas duas semanas que mandei o e-mail. Até agora não recebi resposta.

AINDA YOANI SÁNCHEZ (OU: A IRRACIONALIDADE DAS TEORIAS CONSPIRATÓRIAS)


Já eu prefiro que me mostrem provas...
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Ainda sobre o rumor lançado na internet de que Yoani Sánchez seria uma espiã infiltrada da ditadura comunista cubana, paga pelo governo de Raúl Castro para escrever seu blog em que denuncia o... governo de Raúl Castro (!), alguém me escreve com a seguinte pergunta: "como ela pode ter tanta notoriedade e não ter sido jamais detida"? Eu saberia explicar isso?

Posso apenas arriscar uma hipótese, já que nesse assunto estamos inteiramente no reino das especulações: acredito que a tirania castrista ainda não a meteu numa prisão por causa, justamente, da notoriedade que ela alcançou no exterior. A fama do blog e os prêmios jornalísticos que ela ganhou fora da ilha, como o Ortega y Gasset e o Maria Moors Cabot, além do fato de ter sido eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time em 2007 etc., tudo isso lhe deu, digamos assim, uma certa "blindagem". Graças ao uso inteligente da internet, ela saiu do controle da ditadura, tornou-se grande demais para ser simplesmente eliminada. Até para os padrões da tirania cubana, trancafiá-la ou mandá-la ao paredón seria, pelo menos agora, dar demais na vista. Embora essa possibilidade não deva ser descartada, é bom que se diga.
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Mesmo com essa "liberdade", que nada mais é do que a liberdade da internet, Yoani não está livre, porém, do acosso da repressão, como demonstra a tentativa de seqüestro da semana passada ("uma armação", certamente vão dizer os conspiracionistas, para quem nenhum fato é suficiente para demovê-los de suas certezas religiosas). Além disso, ela está proibida de deixar o país e é vigiada constantemente pelos espiões do regime - o que ela inclusive denuncia no blog. Seu blog, aliás, é inacessível para os cubanos que moram na ilha (somente quem está no exterior pode acessá-lo e sabe quem é Yoani Sánchez).
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Não é preciso forçar a barra para mostrar a ditadura cubana como pior do que já é. Yoani não é "prova" de que "não é tão ruim assim viver na ilha", como se está dizendo, muito pelo contrário: ela é um fenômeno novo, uma opositora do totalitarismo que usa a internet, vedada à maioria dos cubanos, como principal instrumento de resistência à tirania. É algo com que os Castro e seus serviços de espionagem não contavam, nem podem controlar totalmente: basta um notebook e um pen-drive para denunciar ao resto do mundo o que ocorre na ilha. Além, claro, de coragem, muita coragem. Com isso, ela, Yoani, incomoda muita gente, inclusive alguns exilados em Miami, que gostariam de ter o monopólio da oposição ao castrismo. É possível que tenha saído daí o boato de que ela é agente da DGI cubana.

Tudo isso me dá o direito, creio eu, de acreditar que a acusação de que ela é agente do castrismo não passa de um boato sem fundamento, uma calúnia, talvez criada pelos próprios órgãos de desinformação cubanos. Até o momento, há tantas provas de que ela é agente do castrismo quanto de que ela é agente da CIA. Ou seja: nada. Nadinha mesmo.

Mas, por mais que eu pise e repise essa questão, não acredito que vai adiantar muito. Boatos, afinal de contas, são feitos não para ser provados (do contrário, não seriam boatos), mas para desmoralizar, desqualificar, caluniar. É uma pecha que, uma vez lançada, é extremamente difícil de desaparecer, obrigando o caluniado a se defender, enquanto os caluniadores permanecem seguros, muitas vezes no anonimato. Por coincidência, terminei de ler um dia desses uma biografia do cantor Wilson Simonal, que teve a carreira - e a vida - destruída por causa de um boato de que ele seria "dedo-duro" da repressão política nos anos da ditadura militar. Havia muito mais motivos para crer que Simonal fosse agente do DOPS do que para crer que Yoani é agente da G2. E, no entanto, depois de décadas, descobriu-se que Simonal nunca teve nada a ver com a repressão, foi tudo um grande mal-entendido. Acredito que o mesmo tipo de equívoco fatal está acontecendo agora no caso da Yoani Sánchez.

Eu poderia tentar discutir teorias conspiratórias. Mas, infelizmente, teorias conspiratórias não podem ser discutidas: elas não são racionais, como já disse aqui. Não adianta pedir fatos e provas para quem acredita em algo porque QUER acreditar. Para quem quer crer que Yoani é uma espiã a serviço do castrismo, nenhuma prova em contrário basta. Assim como sempre haverá quem duvide que o homem foi à Lua, sempre haverá quem jure que Yoani, por ser blogueira, por estar viva, por ser bonita ou por sei lá o quê, é agente da DGI cubana ou dos incas venusianos.

Mais uma vez pergunto, e mais uma vez vou ficar sem resposta: cadê as PROVAS de que Yoani Sánchez é agente dos Castro? Será que eu vou ter de criar um prêmio para quem conseguir essa façanha?
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ATENÇÃO: Não estou me dirigindo a quem quer que seja quando escrevo sobre o rumor de que Yoani seria espiã. Estou refutando, isso sim, argumentos que até o momento me parecem totalmente descabidos e sem qualquer fundamento. Não escrevo sobre pessoas, mas sobre idéias.