quinta-feira, agosto 26, 2010

O MAIOR CORONEL DA HISTÓRIA DO BRASIL


Nem José Sarney. Nem Antônio Carlos Magalhães. Nem Odorico Paraguaçu. O maior coronel da política brasileira em todos os tempos chama-se Luiz Inácio Lula da Silva.

Nenhum outro político encarnou tão perfeitamente as velhas práticas mandonistas dos grotões. Lula daria farto material para vários livros de Jorge Amado e de Dias Gomes. Ele transformou o coronelismo, que muitos achavam desaparecido, numa forma de arte, uma verdadeira instituição nacional. Perto de Lula, os antigos oligarcas são meros chefetes de província, simples amadores. Mais que isso: são exemplos de moralidade e espírito republicano.

Assim como os velhos senhores de baraço e cutelo, Lula se gaba de ser popular. E, assim como aqueles, ele baseia sua popularidade numa vasta rede de assistencialismo e numa dedicada clientela, que se sente cada vez mais devedora e se torna cada vez mais estadodependente. Só que em escala federal.
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De certa forma, voltamos à República Velha. Sob Lula e o PT, as práticas coronelísticas foram ampliadas, atingindo um patamar muito mais elevado de sofisticação. Os coronéis dos grotões tinham/têm como principal arma eleitoral cestas básicas e dentaduras. Lula e o PT têm o Bolsa-Família, a reedição do voto de cabresto.

Não é por acaso que Luiz Inácio se sente tão à vontade ao lado de figuras como Fernando Collor, Sarney e Jader Barbalho, que antes deplorava e cujo palanque hoje partilha sem o menor constrangimento. É que uma prática comum entre os maiorais do sertão é a troca de farpas, ou tiros, para depois se reconciliarem e partilharem o poder, numa grande e alegre festa regada a muito forró, cachaça e buchada de bode.

À semelhança dos coronéis do interior, Lula também possui à sua disposição um exército leal de jagunços (ou melhor, de devotos). Com a diferença de que estes últimos raramente usam armas de fogo. Em vez do bacamarte e da peixeira, suas armas são os mensalões e dossiês fabricados para intimidar adversários. Assim como os coronéis de outrora mandavam espancar inimigos e empastelar jornais que lhes denunciavam os desmandos, Lula manda seus cabras violarem os sigilos bancários de seus opositores ou maneja a lei para tentar impor malandramente a censura à imprensa, contando, para isso, com o apoio ou a "neutralidade" de jornalistas amestrados. Se dependesse dos bate-paus do lulo-petismo, o Brasil seria sua fazenda, digo, seu sindicato.

"Deixo em suas mãos o meu povo", é o refrão da música de campanha da petista Dilma Rousseff, a criatura eleitoral de Lula, à Presidência da República (fabricar sucessores é outra característica do coronelismo). A frase é quase cândida em seu elogio desbragado do atraso. Passa a idéia, de forma inconfundível, de que o povo é propriedade de alguém, no caso, Lula, tanto que ele está agora "deixando" o povo de herança para Dilma, como se deixa em testamento um rebanho de bois ou de bodes. "Meu povo", aliás, é uma interjeição comum aos mandões locais, significando exatamente isso: o povo é dele, literalmente lhe pertence, como suas esporas e seu chicote. E ai do atrevido que tiver o topete de ameaçar-lhe a autoridade ou de empanar-lhe o brilho!
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Em outras épocas, o coronel local dizia a "seu" povo em quem ele deveria votar - geralmente, um parente ou amigo. "Vote em Chiquinho da Farmácia: ele é amigo do coronel Totonho". E assim se perpetuava o sistema, com a eleição de testas-de-ferro e nulidades. Hoje, a campanha eleitoral do PT diz: "Vote em Dilma: ela é amiga de Lula". O nome disso, em bom português, era (é) curral eleitoral. Hoje, o Brasil é um imenso curral eleitoral do lulo-petismo. Dilma é o Chiquinho da Farmácia do coronel Totonho-Lula.

Uma coisa, porém, separa Lula, o megacoronel de hoje, dos provincianos coronéis de antanho: ao contrário destes, Lula não tem diante de si uma oposição de verdade, intransigente e aguerrida. O que há, em vez disso, é um bando de socialites e galinhas-mortas, mais preocupado em posar de bons-moços e em não assustar o eleitorado do que em chamar as coisas pelo nome. Quando um deles foge à regra, como fez Indio da Costa, é apenas para ser quase linchado pela "tática do medo" e pelo "erro eleitoral". É que jogam no mesmo time ideológico do adversário, daí sua relutância em mirar em Lula: tendo participado também da construção do mito em torno de sua figura, e inclusive fornecido os instrumentos que lhe permitiram chegar aonde está, têm medo de que o tiro ricocheteie e os atinja. Só lhes resta tentar encostar em sua imagem, numa clara confissão de culpa.

Se Dilma Rousseff for eleita presidente da República, como parecem indicar as pesquisas, essa tradição coronelística da política brasileira, preservada e ampliada por Lula, será coroada. Dilma, aliás, parece reproduzir em tudo o figurino de manda-chuva do sertão, no que segue fielmente, caninamente, os passos do mestre. Quando não está declarando seu amor a outros caudilhos como Fidel Castro e Hugo Chávez, ou se comparando a Jesus Cristo e a Tiradentes (com desvantagem para estes, claro), sinhozinho Lula gosta de se apresentar como o "pai do povo". Dilma, por tabela, é a "mãe do povo". É outro traço, o paternalismo, inegavelmente coronelístico do lulo-petismo. Desse matrimônio está prestes a ser parida a maior fraude política da História brasileira.

terça-feira, agosto 17, 2010

DEMOCRACIA PELA METADE


Uma imagem de um debate eleitoral entre os candidatos à Presidência da República, dentro de alguns anos
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Esqueçam a saúde. Ou a educação. Ou a segurança. Ou a situação calamitosa das estradas. O maior problema do Brasil é a inexistência de uma alternativa política aberta e claramente de direita.

Basta ligar a televisão por esses dias para constatar essa realidade. Nada mais monótono do que eleições no Brasil. E não me refiro somente ao show de horrores e desfile de bizarrices chamado enganosamente de "horário eleitoral gratuito". É que as eleições por aqui já viraram um concurso de esquerdismo, em que cada candidato se esforça por parecer mais antiliberal, mais anticapitalista do que o outro. No Brasil, "direita" é insulto pessoal, e não categoria política. Não surpreende, pois, que o debate político - se é que se pode chamar assim - seja tão raso, tão superficial. Os candidatos passam ao largo de qualquer questão substancial e ficam discutindo quem vai fazer mais operações de varizes e de próstata. É um deserto de idéias, feito de marketing e de bom-mocismo, ou de porralouquice.

A idéia de democracia vigente no Brasil de hoje é uma assembléia de esquerdistas acusando uns aos outros de serem de direita. Que o diga José Serra. Faz uns dias, ao responder alguma barbaridade dita por Lula, o candidato do PSDB à Presidência da República afirmou que quem apóia ditaduras como a de Mahmoud Ahmadinejad no Irã é um "troglodita de direita". OK, Serra. Troglodita é mesmo como deve ser chamado quem apóia regimes em que mulheres são apedrejadas por adultério. Mas por que o "de direita"? Desde quando ser a favor de ditaduras é privilégio da direita? Basta comparar os ídolos da esquerda - Stálin, Mao, Fidel Castro, Che Guevara - com as figuras exponenciais da direita liberal no século XX - Winston Churchill, Ronald Reagan, Margaret Thatcher. Digam-me quem, nessas duas listas, é troglodita e quem é democrata. Aproveitem e me digam que país que se preza não tem um partido forte de direita.

Ah, é de ditadores militares que se está falando, como Franco, Médici ou Pinochet? OK, não há dúvida de que eram tiranos homicidas. Mas quem disse que a direita é sinônimo de regime militar (ou, ainda pior, "fascista")? Tão vítimas dessas ditaduras quanto os esquerdistas, e até mais do que estes, foram muitos liberais e conservadores. Estes, ao contrário daqueles, tiveram um papel muito mais importante na restauração das liberdades democráticas. Não me consta que Tancredo Neves e Ulysses Guimarães fossem esquerdistas. Sem falar no fato irrefutável de que tais ditaduras, por mais horrores que tenham cometido, não chegaram aos pés, em termos de brutalidade e número de vítimas, do mais brando regime comunista.

Essa é a grande tragédia da política brasileira: não há um partido de direita. Há partidos de esquerda, de centro-esquerda, até de extrema-esquerda (geralmente, nanicos que entram nas eleições apenas para denunciar a "democracia burguesa" e fazer proselitismo em favor da revolução). Há partidos para quase todos os gostos, inclusive os inevitáveis picaretas, para os quais as ideologias valem tanto quanto uma nota de 3 reais (há um Partido Liberal, mas que está na base de apoio do governo...). Há de tudo, só não há direita. Onde está uma agremiação política que defenda e pratique, efetivamente, o ideário liberal e conservador, advogando claramente as teses de Hayek e de Milton Friedman? Esta não existe, nem como partido nanico. E não me venham dizer que o DEM, que está até mesmo cogitando fundir-se ao PSDB, é de direita. Em lugar nenhum do mundo um partido que ostenta a expressão "social-democracia" no nome é considerado de direita. Só no Brasil.

Antes que digam: não, não estou dizendo isso porque eu sou um, como diriam Lula e Serra, troglodita de direita. Digo porque a ausência de um partido de direita nas eleições é um fator que explica o baixo nível das campanhas eleitorais. O Brasil deve ser o único país em que nas eleições se discute tudo, menos política. Tentei acompanhar o debate presidencial na Band, há alguns dias. Serra e Dilma ficaram o tempo todo discutindo números e maltratando a língua portuguesa. Marina Silva posou de Marina Silva, um personagem criado por ONGs. A nota dissonante veio de um nanico de ultra-esquerda, que passou o tempo todo acusando os demais de não serem esquerdistas o suficiente. Mudei de canal.

Se você ainda não está convencido da gravidade da coisa, e acha que isto é só muxoxo de um reaça inconformado, então preste atenção para esse fato: nem na época da ditadura militar havia uma situação parecida. Durante o regime de 64, havia censura, ou seja, a imprensa não poderia publicar certas notícias e assuntos que desagradavam aos governantes de plantão, mas havia a possibilidade de um pensamento político discordante. Havia uma oposição legal, o MDB - tolhida, intimidada, mas havia. Hoje, a oposição se esforça para parecer o menos oposicionista possível. Evita bater nos petistas e em Lula, pois afinal este é popular. O general Médici também era muito popular.

Diante disso, a frase de Lula - "Que bom que não teremos trogloditas de direita nas eleições" - adquire um ar de ainda maior boçalidade. Ela pode ser lida como um elogio ao pensamento único, o contrário da diversidade política. Pelo menos mentalmente, já vivemos uma ditadura ideológica de esquerda. E isso é louvado pelo supremo mandatário da nação! E o pior: ele é aplaudido!
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Já escrevi antes e repito: não é normal uma eleição sem um candidato de direita. Não é normal, nem desejável. É um sinal de uniformização ideológica, de ausência de pluralidade. É desse material que se constroem os regimes totalitários.
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Uma democracia sem direita é uma democracia pela metade. Isso equivale a uma ditadura pela metade. É algo tão falso quanto uma democracia que não tivesse partidos de esquerda. Não se trata sequer de pedir votos para candidatos que ostentem posições liberais ou conservadoras. Trata-se tão-somente de garantir o fundamento mesmo da democracia: a pluralidade.

Já tivemos o troglodismo fardado. Agora temos o troglodismo de esquerda. Essa é a ideologia oficial do Brasil.

segunda-feira, agosto 09, 2010

A LONGA MARCHA DOS MACONHEIROS


Francamente, sempre achei um besteirol essa estória de legalizar a maconha. De todas as causas que alguém pode adotar e a ela dedicar seu tempo e intelecto, a da "descriminalização" da erva maldita é, certamente, a mais idiota. Coisa de desocupado, de quem não tem mais o que fazer.

Não há nada, rigorosamente nada, de "libertário" na defesa da legalização da maconha, ou de qualquer droga ilícita. Há, sim, muita irresponsabilidade e arrogância, embaladas no desprezo olímpico pela Lei e na boçalidade próprios de quem se acha superior aos demais mortais e, portanto, acima das regras da sociedade. Dizer que fumar maconha é um gesto libertário não passa de uma invenção de "moderninhos", em geral gente bem-nascida e com boas conexões familiares, que acha um absurdo não poder fazer a cabeça e curtir uma lombra, mas que não vê nada de mais em que esse vício sirva para alimentar o narcotráfico e tudo de mal que ele acarreta. Afinal, o "movimento", assim como os tiroteios, está lá longe, no morro ou na periferia, e não no asfalto, em Ipanema ou nos Jardins. "Que os pobres se matem", pensam os mauricinhos da erva ou do pó, "desde que eu possa puxar meu baseado".

Paira, sobre o tema, uma névoa, que não é só de fumaça de cannabis. Vamos tentar desanuviar a questão e trazer um pouco de luz ao ambiente, que está assim, digamos, meio enevoado.

A primeira coisa que me chama a atenção no assunto é que os defensores da legalização ou descriminalização da maconha são, em geral, de esquerda, ou aquele tipo de inocente útil descrito geralmente como "simpatizante". A esquerda se mostra, aqui, mais uma vez, elitista. Vá, ou melhor, não vá, mas veja qualquer "marcha da maconha" - essa moda que ameaça generalizar-se no país, a exemplo de outras pragas, como a axé-music e as micaretas - e você verá lá, no meio dos "alternativos", rapagões e moçoilas corados e bem-nutridos, vestindo camisetas com a foice e o martelo e carregando bandeiras de partidos e grupelhos de esquerda. A relação da esquerda com o narcotráfico, aliás, é pública e notória, como demonstram os laços nada secretos do PT com os narcotraficantes das FARC e com o cocaleiro Evo Morales da Bolívia, apesar de toda a afetação de indignação dos petistas diante dessa "revelação" feita pelo vice de um adversário eleitoral.

Trata-se, portanto, de gente que aplaude, ou que silencia diante de regimes como o de Cuba, em que as liberdades individuais não existem. Devotos do multiculturalismo que são, e para não passarem por favoráveis ao "imperialismo", calam diante das atrocidades perpetradas por tiranias como a iraniana, onde mulheres são açoitadas e apedrejadas até a morte por manterem relações extraconjugais. É gente capaz de se emocionar quando vê uma linha de repente se transformar numa curva, mas que é incapaz de ver qualquer coisa de errado, em nome do "relativismo cultural" e do "respeito às diferenças", numa jovem ter o nariz e as orelhas arrancados por não obedecer ao marido em um país islâmico.

Isso, por si só, já é razão suficiente para desconfiar do suposto caráter "libertário" da causa maconhista. Mas meu estranhamento vai além. Ele se manifesta ante o seguinte fato: muitos, inclusive gente de esquerda, pró-Cuba e pró-PT, justificam a legalização da maconha com base no pensamento do filósofo britânico John Stuart Mill (1806-1873), um dos pais do liberalismo. Ora, o pensamento liberal, ainda mais na versão radical e utilitarista de Mill, é o oposto exato do que defendem os esquerdistas, que têm no anti-liberalismo e no coletivismo seus dogmas principais. Está claro que se trata, aqui, de um uso oportunista e instrumental de um pensamento em tudo estranho ao que querem os arautos do "liberou geral". Se a maioria dos defensores da "descriminalização" é de esquerda, então por que apelam para um conhecido autor liberal do século XIX? Querem fumar, OK, tudo bem, fumem até torrar o cérebro. Mas, em nome da honestidade intelectual, deixem John Stuart Mill em paz!

A questão não é que a maconha deva ser proibida porque "faz mal". Muita coisa que faz mal é liberada e seu consumo é socialmente aceito sem maiores problemas. A questão é que do produtor ao consumidor existe uma rede criminosa que precisa ser combatida. E, queiram ou não os modernosos da esquadrilha da fumaça, seu vício alimenta o crime organizado. Acima de tudo, existe a Lei. E, numa democracia, supõe-se que ela exista para ser cumprida. Por todos, indistintamente.

Para ficar mais claro. Se, em vez de maconha, fosse proibido o consumo de, sei lá, fubá, que se tornaria um negócio ilegal bastante lucrativo, eu poderia até achar uma bobagem, mas continuaria a achar que a obediência à Lei é o melhor caminho. Não daria bola para os que dissessem que comer fubá não faz mal, ou é uma questão de liberdade individual. Preferiria prestar atenção às gangues de traficantes de fubá que explorassem o comércio ilegal de fubá nas favelas, num ciclo de violência, e torceria para que a polícia botasse esses malandros na cadeia. Até que me convencessem que consumir fubá não é compactuar com o crime, eu seguiria essa opção.

Há quem defenda a legalização do comércio de maconha com base numa visão pragmática, pois isso retiraria a erva da ilegalidade e acabaria, portanto, com a rede de criminalidade existente. É uma opinião defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Pode-se discutir essa questão, e creio mesmo que ela deve ser debatida abertamente na sociedade. Mas não deixo de me perguntar como fariam para acabar com os males do narcotráfico tornando-o legal num país, por maior que seja, sem que os demais 191 países adotem, simultaneamente, a mesma medida. A menos que o mundo virasse uma imensa Holanda, não vejo solução. Convenhamos, isso implicaria algumas dificuldades práticas. Nesse meio tempo, prefiro fazer como o personagem do inspetor do FBI Eliot Ness, no fllme Os Intocáveis. Quando perguntado o que faria quando a Lei Seca - a proibição do álcool nos EUA, que perdurou durante toda a década de 20 - fosse revogada, ele respondeu simplesmente: "Vou tomar um drinque".

Voltemos a John Stuart Mill. Os que, para defender a maconha, apelam para o liberalismo stuartmilliano afirmam que, numa democracia, não se pode criminalizar a conduta individual com base na idéia de que "faz mal" porque, afinal, existiria, no caso da maconha, crime sem vítima. Para que haja crime, dizia Mill, é preciso que haja um agente ofensor e uma vítima legítima, cujo direito foi ofendido. No caso da maconha, o ofensor e o ofendido seriam a mesma e única pessoa, logo não há delito a ser punido e qualquer sanção penal seria uma intromissão do Estado num assunto particular etc.

O argumento, à primeira vista, é um primor de lógica, mas tem uma pegadinha aí. É verdade que John Stuart Mill defendia que a única justificativa para se criminalizar uma conduta era que houvesse um agente ofensor e uma vítima ofendida em seu direito. É verdade que, por esse motivo, ele, Mill, achava um absurdo punir criminalmente condutas individuais como o consumo de drogas, o jogo, a prostituição e o homossexualismo (como acontece em países como o Irã), sobre as quais qualquer interferência do Estado seria descabida. Mas é igualmente verdade que, na época de Stuart Mill, não havia tráfico de entorpecentes na escala em que é praticado hoje, com suas conseqüências - sociais, familiares, até políticas (há Estados, como a Bolívia do cocaleiro Evo Morales, que se convertem cada vez mais em narco-Estados) - não menos do que devastadoras. Também é verdade - e algo freqüentemente omitido pelos apologistas da maconha, em sua leitura seletiva de Stuart Mill - que o conceito de responsabilidade é inseparável do da liberdade individual, como deixa claro Mill em seu ensaio mais conhecido, On Liberty (Sobre a Liberdade). E o conceito de responsabilidade estipula que a liberdade deve cessar quando concorre, de alguma maneira, para a desestabilização da ordem pública. Nada a ver, portanto, com o "liberou geral" a que aspira a tribo do "legalize já". Desconfio que, se fosse vivo, John Stuart Mill ficaria contra os descolados e sua (deles, não de Mill) idéia de legalizar a maconha.

Em outras palavras: se você for maior de idade, vacinado e pagador de impostos, e acordou com vontade de se prostituir, fumar maconha ou cheirar pó até virar um maracujá, é problema seu, ninguem tem nada a ver com isso. No caso da prostituição, é até um direito, o Estado não tem nada que se meter numa escolha pessoal sua. Mas, por favor, não cite John Stuart Mill. Pelo menos não se for se referir a substâncias ilícitas. A liberdade individual, essa coisa sagrada, não deve servir de pretexto para o culto à ilegalidade.

Muitos que usam Stuart Mill para defender a maconha afirmam também que ela seria inofensiva, não possuindo a letalidade de outras drogas mais pesadas, como a cocaína e o crack, que causam dependência imediata. Alegam ainda que, se a questão é preservar a ordem pública, não faz sentido manter a proibição da maconha e não do álcool, porque o álcool também gera violência (na forma de brigas de bar, por exemplo) e acidentes de trânsito etc.

Sem entrar no mérito da questão de se a maconha faz mal ou não à saúde (e, para cada artigo de especialista defendendo seu uso controlado na medicina, no combate ao glaucoma por exemplo, há uns dez estudos que mostram a relação do consumo da cannabis com a perda de memória ou com a esquizofrenia), percebo nesse argumento uma forte incoerência. Primeiro, porque, inofensiva ou não a maconha para a saúde, isso, para John Stuart Mill, era irrelevante - importava, para ele, a liberdade de se fazer o que se quiser com o próprio corpo, desde que isso não acarrete algum dano social. Logo, os defensores da erva maldita precisam encontrar outro argumento. Segundo, e pela mesma razão, o álcool pode até detonar brigas de bar e acidentes de trânsito (assim como um medicamento tarja-preta tomado na hora ou na dose erradas), mas há leis que coibem essa prática (a "Lei Seca" no trânsito, por exemplo). Mais importante: com exceção da falsificação e do contrabando, desconheço alguma rede criminosa por trás do consumo de cerveja ou de cigarros, ao contrário da maconha. Uma briga de bar que resulte num assassinato pode ser detonada por uma dose de uísque ou de cachaça, mas não há nenhuma organização ilegal e criminosa entre a produção e o consumo da bebida. A culpa, aqui, é de quem fez (mau) uso dela, ou seja: de quem não soube usar sua liberdade individual de forma responsável. O mesmo não pode ser dito da maconha.

Outro argumento fajuto é que a idéia da maconha como porta de entrada para drogas mais pesadas seria falsa, pois levaria em consideração somente as drogas ilícitas, deixando de lado as drogas lícitas, como o álcool e a nicotina. De fato, jamais conheci, e creio que devem ser muito poucos, os usuários de maconha que não sejam também adeptos do tabagismo ou da bebida. Mas isso não muda em nada a natureza da questão. Até hoje não conheci nenhum viciado em crack ou em cocaína que não tenha começado a sua, com o perdão do trocadilho, "carreira", em aparentemente inocentes tragadas na erva do capeta. Mais que isso: maconha é ilegal; cigarro e álcool, não. Além disso, há uma clara contradição com Stuart Mill. Ora, se a maconha deve ser liberada porque seu consumo é uma questão particular, individual, então por que o mesmo raciocínio não pode ser utilizado para descriminalizar o consumo de cocaína, ou de heroína, ou de crack?

Feitas as contas, fico cada vez mais convencido de que todo esse blablablá de bichos-grilos sobre os supostos prováveis benefícios que a descriminalização da cannabis traria para a sociedade não passa de uma desculpa, muitas vezes disfarçada de "interesse antropológico", para atacar o "sistema" - afinal, o álcool e o tabaco são uma "indústria", ao contrário da maconha, essa plantinha simpática, além do mais ecológica e ambientalmente correta, cultivada milenarmente etc. etc. Trocando em miúdos: um discurso de ripongas ou de filhos da elite entediados, desesperadamente em busca de uma "causa" para substituir ideologias defuntas e preencher o vazio da existência. Ou, então, é só o efeito retardado de alguma bad trip, a prova do efeito deletério da erva sobre os neurônios. Está comprovado: defender a legalização da maconha faz mal à saúde. À saúde mental.

UMA IMAGEM PARA NOS ENVERGONHAR


A imagem acima é um tapa na cara. Um soco no estômago. Ela mostra a jovem afegã Bibi Aisha, 18 anos, barbaramente mutilada - teve o nariz e as orelhas arrancados à faca - por um tribunal do Talibã. Esse foi o castigo que ela recebeu por fugir do marido, com quem fora forçada a se casar e que frequentemente a maltratava. Está na capa da Time desta semana. É uma imagem do horror.
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A frase que acompanha a imagem pode ser traduzida como "o que acontecerá se abandonarmos o Afeganistão". Trata-se de uma afirmação, não de uma pergunta. E de algo quase tão impactante quanto a foto. Porque serve de lembrança para um fato elementar que está sendo sistematicamente ignorado nos dias que correm: sem as tropas dos EUA e da OTAN, o Afeganistão sucumbiria às trevas, ao caos mais completo. É a permanência dos soldados aliados que impede que casos como o de Bibi Aisha deixem de ser exceções e se tornem lei no país.
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Claro, houve quem achasse a foto "forte demais", e surgiu até uma discussão "ética" sobre a conveniência, ou não, de mostrá-la para o grande público. Sem falar na mensagem clara que a acompanhava. Pois eu digo que antiético e imoral, além de inconveniente, seria não mostrá-las, a imagem e a mensagem. Sobretudo num momento em que a tal "opinião pública" (leia-se: a grande imprensa e o politicamente correto) começa a questionar a justeza da derrubada do Talibã e a exigir a retirada imediata das tropas norte-americanas do Afeganistão.
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Se há um motivo mais do que suficiente para defender a permanência das tropas e o combate sem trégua aos terroristas islamitas, aí está o rosto desfigurado de Bibi Aisha para proporcioná-lo. Hoje, o Afeganistão é um país que tem problemas, inclusive a permanência de práticas bárbaras contra mulheres em algumas regiões. Até o final de 2001, porém, essas práticas eram oficializadas por uma tirania teocrática que dominava o país, e que tentou fazê-lo retroceder à Idade Média. Desde então, os que tiranizaram o povo afegão foram expulsos do poder, e hoje vivem acossados em montanhas e cavernas. Há quem ache isso pouco.
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Há ainda os que alegam a questão da "soberania" para defender a saída das forças estrangeiras do Afeganistão, como se "soberania" fosse uma senha para todo tipo de atrocidade. Ou que - mais absurdo ainda -, embalados por uma antropologia de botequim, apelem para a falácia do relativismo cultural, afirmando que a tortura e mutilação de meninas e mulheres é um costume local e deve ser respeitado etc. e tal. Essa é a visão míope de quem se recusa a entender que direitos humanos não são um luxo ocidental, e que a luta contra o Talibã é uma luta da civilização contra a barbárie. É uma visão também hipócrita, pois muitos que referendam os crimes do Talibã ou do regime iraniano não hesitaram em ofender a soberania de países como Honduras, por exemplo. Não falta, também, quem se encha de indignação lacrimosa diante do tratamento dispensado pelos cruéis imperialistas ianques a suspeitos de terrorismo em Abu Ghraib e em Guantánamo, mas que não tenha uma palavra a dizer sobre Bibi Aisha. Para essas pessoas, ela não existe.
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Há alguns meses, a mesma Time que estampou o rosto deformado de Bibi Aisha divulgou uma lista das 100 personalidades mais infuentes do mundo. Um dos que apareceram na lista foi Lula. Os lulistas ficaram exultantes. A última de Lula foi dizer que não é certo interceder em favor dos direitos humanos em outros países, referindo-se à condenação à morte por apedrejamento de uma iraniana por um suposto crime de adutério. Ele chamou isso - o apelo pela vida da prisioneira, não a pena a que foi condenada - de avacalhação (depois voltou atrás, sob o peso de tamanha enormidade, mas somente para tentar livrar a cara de seu amigo Mahmoud Ahmadinejad, que mesmo assim o humilhou, chamando-o de desinformado). O mesmo raciocínio lulista sobre direitos humanos no caso da mulher iraniana pode ser aplicado ao caso da afegã Bibi Aisha. Para Lula, impedir que ela tenha o nariz e as orelhas decepados é uma avacalhação.
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Esse é Lula, o futuro secretário-geral da ONU, o homem mais influente do Universo. E a vergonha de qualquer pessoa decente.

segunda-feira, agosto 02, 2010

LULA: A AVACALHAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


A iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, 43 anos, foi condenada pela Justiça do regime islâmico de Teerã a ter um destino horripilante. Acusada de adultério, crime punível com a pena capital pela sharia, a lei islâmica, ela será enterrada até a cintura. Munidos de pedras, seus carrascos irão apedrejá-la até a morte. Segundo a lei, as pedras devem ser grandes o bastante para quebrar-lhe os ossos e infligir-lhe o máximo de dor, mas não ao ponto de matá-la rapidamente. Para que a sentença seja cumprida de acordo com as regras corânicas, o sofrimento deve ser lento e a morte, excruciante.

Há somente uma chance de Sakineh Mohammadi Ashtiani não sofrer o cruel castigo da lapidação: se os aiatolás iranianos aceitarem um pedido de clemência em seu nome, feito por alguma alta autoridade mundial. Há alguns dias, começou uma campanha no Twitter para que Luiz Inácio Lula da Silva seja o portador desse pedido humanitário. "Liga, Lula", é o slogan da campanha, que já tem milhares de adeptos. Os internautas que a elaboraram querem que Lula ligue para seu amigo Mahmoud Ahmadinejad e interceda em favor da vida de Sakineh. Acreditam que poderão convencer o atual presidente do Brasil a usar seu auto-proclamado prestígio internacional para salvar a vida de uma mulher condenada a morrer apedrejada por adultério. Crêem, ingenuamente, que ele está preocupado com os direitos humanos. Estão enganados.

Lula não irá interceder em favor de Sakineh Mohammadi Ashtiani. Isso ficou bem claro em 28/07, quando, em mais uma de suas frases memoráveis, ele explicou por que não vai mexer um dedinho por sua vida:

"Tem que ter cuidado, as pessoas têm leis, têm regras. Se começassem a desobedecer as leis deles para atender os pedidos dos presidentes, daqui a pouco haverá uma avacalhação."

Traduzindo do lulês: Qualquer tentativa de intercessão, como um pedido de clemência, seria uma intromissão indevida nos assuntos internos do Irã. Mais que isso: seria uma avacalhação, diz o especialista em direitos humanos. Para ele, Sakineh pode ser apedrejada até a morte, pois é a lei do país. Não é um problema da humanidade.

Para ficar mais claro o entendimento da posição brasileira na questão:

- Lula acha uma avacalhação e uma violação da soberania pedir clemência para uma mulher condenada a morrer apedrejada no Irã, mas não acha uma avacalhação se meter nos assuntos internos do Irã ao avalizar a fraude eleitoral e ao comparar os protestos por democracia no país, brutalmente reprimidos pela teocracia islamita, a um chororô de torcedores cujo time perdeu uma partida de futebol;


- Lula acha uma avacalhação pedir respeito aos direitos humanos em Cuba, mas não acha uma avacalhação comparar prisioneiros políticos, presos de consciência que fazem greve de fome contra uma ditadura, a bandidos comuns;

- Lula acha uma avacalhação um país como Honduras ter uma Constituição e expulsar um golpista que tentou violá-la, mas não acha uma avacalhação planejar a volta clandestina desse golpista ao país e permitir a transformação da embaixada brasileira em comitê político para que este insuflasse a guerra civil;

- Lula acha uma avacalhação as grandes potências e a ONU aprovarem sanções contra o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, mas não acha uma avacalhação ter-se prestado ao papel de instrumento de Ahmadinejad para que este continue a enganar o mundo e a enriquecer urânio para produzir a bomba atômica;

- Lula acha uma avacalhação que Israel, a única democracia do Oriente Médio, faça uso de seu direito elementar de se defender, mas não acha uma avacalhação não dizer uma única palavra sobre o terrorismo do Hamas e do Hezbollah, que juraram varrer Israel do mapa;

- Lula acha uma avacalhação que o governo da Colômbia combata duramente os narcoterroristas das FARC, onde quer que se escondam, e que conte com o apoio militar dos EUA, mas não acha uma avacalhação que os governos da Venezuela e do Equador dêem guarida aos narcobandoleiros, e, inclusive, armas; aliás, Lula não vê avacalhação alguma em se declarar "neutro" entre o governo colombiano e as FARC, e em conceder o status de "refugiado político" ao "representante" das FARC no Brasil;

- Lula acha uma avacalhação que alguns órgãos de imprensa considerem Hugo Chávez um ditador, mas não acha uma avacalhação aplaudir todos os atos arbitrários e antidemocráticos do coronel, como o fechamento de emissoras de rádio e TV e a prisão de jornalistas que não se mostram dóceis a ele;

- Lula acha uma avacalhação que haja quem considere Evo Morales um demagogo incentivador da produção de cocaína, mas não acha avacalhação que ele mande tropas invadirem e expropiarem refinarias da PETROBRAS na Bolívia, ou que o Brasil esteja financiando a construção de uma rodovia que irá facilitar a exportação de cocaína boliviana para o Brasil;

- Lula acha uma avacalhação ter sido alvo de críticas por ter devolvido, na calada da noite, atletas cubanos que tentaram fugir da ditadura dos irmãos Castro, mas não vê qualquer avacalhação em transformar o País num paraíso para terroristas condenados em países democráticos, como Colômbia e Itália;

Finalmente:

- Lula acha o cúmulo da avacalhação que alguns impatriotas se recusem a ver nele o líder mundial mais sábio e mais importante desde Ramsés do Egito, mas não vê avacalhação alguma em colocar sua política externa inteiramente a serviço dos piores ditadores e genocidas do mundo. Coloca-se ao lado do que de pior existe na humanidade, pois, afinal, "negócios são negócios".

No último sábado, o homem que chamou de avacalhação uma causa humanitária decidiu recuar, e cogitou da possibilidade de receber "essa mulher" no Brasil, como exilada do regime dos aiatolás (ou seja: como uma "indesejável"). O recuo revela cálculo político, não compromisso com a vida humana. Seu objetivo, se fizer valer o compromisso de receber Sakineh, não é salvar-lhe a vida, mas livrar seu aliado Ahmadinejad de um incômodo. Há mais 24 iranianos condenados a morrer por apedrejamento. Lula não irá dizer nada a respeito.
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Lula avacalhou os direitos humanos, assim como avacalhou a ética. Sua política externa é a perfeita expressão do que existe de pior na sociedade brasileira. O desprezo pela vida humana é apenas uma de suas caracteristicas. Paro por aqui, porque, como dizia Nelson Rodrigues, a coisa já exala a febre amarela, a peste bubônica, a tifo e a malária.