segunda-feira, março 31, 2014

1964: 50 ANOS DEPOIS - O QUE ELES DISSERAM


Hoje faz 50 anos do golpe/revolucão/contragolpe/contra-revolução de 1964. Como de hábito, vamos cansar de ler na imprensa artigos enaltecendo o governo democrático de João Goulart e demonizando os militares (e civis) que o depuseram por pura maldade etc.  Pensei em escrever um longo texto rebatendo essa visão maniqueísta da História, mas lembrei que já fiz isso há exatos cinco anos (ver aqui: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2009/03/falacias-sobre-1964.html). Vou, portanto, me limitar a transcrever o que alguns personagens daquele período disseram a respeito.
 
Tancredo Neves, sobre o governo João Goulart:
 
Seu governo vinha cedendo às pressões populistas, e o seu programa de reformas era aproveitado para as agitações de todos os tipos. Nos campos e nas cidades, a exacerbação dos espíritos na luta ideológica criava os mais graves problemas ao presidente e a seus ministros no tocante à manutenção da ordem.
 
A rebelião dos marinheiros marcou o ápice dessa crise. Procuramos então o presidente e juntos analisamos a delicada conjuntura. Ele me pediu sugestões, e eu lhas dei: a expulsão dos marinheiros rebelados dos quadros da Marinha e a consequente abertura de inquérito para apurar e definir responsabilidades; a extinção do PUA – Pacto de Unidade Sindical, uma articulação sindical – e dos Grupos dos 11 de Brizola. E o provimento efetivo do Ministério da Guerra por um general de Exército que inspirasse as Forças Armadas [...].
 
O presidente recusou as minhas sugestões, achando que, se as adotasse, estaria se despojando de parcelas consideráveis de sua autoridade. Discutimos e não chegamos a nenhum acordo.
Nesse dia fiquei sabendo que o presidente João Goulart iria receber uma homenagem dos sargentos. Considerei o fato da maior gravidade e fiz tudo pra frustrar essa solenidade, sem nada ter conseguido. (1) 
Trecho da biografia do líder comunista Carlos Mariguella, escrita pelo jornalista Mário Magalhães:
Prestes não desconhecia intenções golpistas de Jango. Sobrinho de Miguel Arraes, governador de Pernambuco, Humberto de Alencar escreveu ao tio em 22 de fevereiro, narrando diálogo com Giocondo Dias: “[Os comunistas] acham que JG [João Goulart] continua com o plano do golpe e que isso deve, de agora por diante, entrar nas nossas análises”. Na noite de 13 de março, Arraes se despediu do jornalista Janio de Freitas com um prognóstico:
“Ou vem um golpe da direita ou um do Jango.”
 
O dirigente pecebista Jacob Gorender criticaria Prestes, em 1966: “O elemento golpista se manifestou através do apoio aos planos continuístas do presidente”. (2) 
Ainda Jacob Gorender, membro do Comitê Central do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB):
Tornou-se corrente na literatura acadêmica a assertiva de que, no pré-64, inexistiu verdadeira ameaça à classe dominante brasileira e ao imperialismo. Os golpistas teriam usado a ameaça apenas aparente como pretexto a fim de implantar um governo forte e modernizador.

A meu ver, trata-se de conclusão positivista superficial derivada de visão estática das coisas. Segundo penso, o período 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século, até agora. O auge da luta de classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa sob os aspectos do direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse. (3) 

José Stacchini, ex-militante comunista:

[...] Goulart queria uma ditadurazinha para uso próprio, supondo que ia subir montado nas costas dos sindicatos. Porém êstes, ainda a UNE, parlamentares "nacionalistas" e outras correntes do gênero, trabalhavam mesmo num outro sentido. Esperavam o momento em que Jango montasse: dariam então uma corcoveada e, com ajuda estrangeira, instalariam aqui um paraíso no melhor estilo cubano. (4)
Notas:
(1) MORENO, Jorge Bastos, A história de Mora: a saga de Ulysses Guimarães, Rio de Janeiro: Rocco, 2013, pp. 69-70.
(2) MAGALHÃES, Mario, Mariguella: o guerrilheiro que incendiou o mundo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 292.
(3) GORENDER, Jacob, Combate nas trevas, 5a edição, São Paulo: Ática, 1998, pp. 72-73.
(4) STACCHINI, José, Março de 1964: mobilização da audácia, Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1965, p. 38.

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